quarta-feira, 22 de junho de 2005

O amigo americano

Noticia hoje o Público que o Governo apresentará em breve à Assembleia uma proposta de lei da nacionalidade.
1. Uma nova lei da nacionalidade é indispensável para regular com eficácia os novos modos de constituição da população portuguesa. Em Portugal, como na Europa do pós II Guerra Mundial, a imigração é hoje um dos modos correntes de crescimento populacional. Sem alterarmos profundamente as nossas concepções de nacionalidade, o crescimento populacional induzido pela imigração traduzir-se-á em processos de segmentação da sociedade portuguesa que perturbarão, cada vez mais, a coesão social e nacional. A imigração é hoje, na Europa, a nova fronteira da nação.
Precisamos de uma lei da nacionalidade que produza novos portugueses, que incentive os imigrantes a construírem, rapidamente, uma identificação e lealdade crescentes com a nação portuguesa. Precisamos de uma lei da nacionalidade que facilite a socialização dos filhos dos imigrantes como portugueses de corpo inteiro, que deles faça novos portugueses e não uma “segunda geração” — uma segunda geração de estranhos porque imigrantes eles já não são quando nascem em Portugal.
Em resumo, precisamos de uma lei que possa ser positivamente avaliada porque responde a estes problemas, não porque capitula perante os medos xenófobos e as ofensivas racistas. Não podemos ceder perante os que, na página da Frente Nacional, defendem que o princípio organizador da lei da nacionalidade deve ser dificultar a aquisição da nacionalidade portuguesa aos imigrantes e aos seus filhos. Seria um acto de cobardia imperdoável.
2. A lei que temos, como as leis que predominam na Europa, tem contribuído negativamente para resolver os problemas do país enquanto país de imigração. Neste domínio, o nosso modelo de referência tem que ser constituído pelas boas práticas dos países de imigração que há muito resolveram o problema da constituição das suas populações nacionais com base na imigração: os Estados Unidos, mas também o Canadá ou a Austrália.
Em todos esses países, a nacionalidade originária é adquirida pelo simples facto do nascimento em território nacional, sem cláusulas restritivas relativas à residência dos pais. Em todos esses países, os tempos de naturalização dos estrangeiros residentes são curtos (entre 2 e 5 anos). Em todos eles predomina a orientação de transformar, o mais rápido possível, os imigrantes em novos cidadãos nacionais leais à sua nova pátria. “Be American”, é a mensagem que os imigrantes recebem nos EUA. “Não te chegues…” é a mensagem que transmitimos aos nossos imigrantes.
3. Persistir num modelo de exclusão da nacionalidade para assim tentar diminuir a imigração seria triplamente irresponsável. Seria irresponsável porque contaminaria as condições de integração dos imigrantes demitindo o Estado de desenvolver mecanismos específicos e eficazes de controlo da imigração. Seria irresponsável porque significaria persistir numa orientação que já deu resultados negativos. Seria irresponsável, por fim, porque se basearia no primado da ignorância sobre o conhecimento enquanto base para a tomada de decisão.
Esperemos boas notícias…

Nota: para uma comparação dos vários regimes de nacionalidade e das suas mudanças recentes, ver Patrick Weil (2001), “Access to citizenship: a comparasion of twenty-five nationality laws”, em T. Alexander Aleinikoff e Douglas Klusmeyer (orgs.), Citizenship Today. Global Perspectives and Practices, Washington, DC, Carnegie Endowment for International Peace, pp. 17-35. Para uma análise das mudanças da lei da nacionalidade em Portugal, ver Rui Pena Pires (2003), Migrações e Integração. Teoria e Aplicações à Sociedade Portuguesa, Oeiras, Celta, pp. 126-132.