terça-feira, 13 de junho de 2006

Uma decisão discricionária

Segundo o Público de segunda-feira (12/06/06), o Tribunal de Relação de Lisboa recusou um pedido de naturalização por a candidata não ter feito prova da sua “ligação efectiva à comunidade nacional”.

1. A candidata em causa seria uma mulher indiana casada com um português há mais de três anos, residente em Portugal, com filhos portugueses a frequentar a escola em Portugal e, ainda segundo o Público, uma mulher que “fala fluentemente a língua de Camões”. Todos estes factos, que por alguns poderão ser indicadores fundamentais de ligação à dita comunidade nacional, foram secundarizados pelos juízes que privilegiaram, em alternativa, o desconhecimento do hino nacional e de acontecimentos e personagens da história de Portugal e da actualidade nacional considerados relevantes. Este é um bom exemplo de um preceito legal mal construído (o artigo 9.º, alínea a da lei n.º 25/94, mais conhecida como lei da nacionalidade). Não se definindo em parte alguma o que é isso de “ligação efectiva à comunidade nacional”, ficam as autoridades administrativas e judiciais com um poder discricionário de recusa dos pedidos de naturalização. Ora, como se sabe, a discricionariedade no exercício do poder é o contrário de estado de direito e inimiga mortal da liberdade.

2. Desconfio que se os juízes em causa tivessem aplicado os mesmos testes a muito português originário, a portugalidade, como eles a supõem, ficaria seriamente abalada. Dir-me-ão alguns que com uma quarta classe “à antiga” os testes não falhariam. Admitamos (e admitamos também, para meros efeitos de argumentação, que a “portugalidade” ou é “à antiga” ou não é nada). Mas o que este argumento implica é que a tal “ligação efectiva à comunidade nacional” se aprende, por exemplo na escola. A ser assim, o mínimo que se exigiria para haver decência na aplicação da lei da nacionalidade, é que fossem definidos os conhecimentos a exigir aos candidatos à naturalização. Para que estes os pudessem estudar, como o fazem os meninos portugueses que não nasceram a cantar o hino.

3. Que a recusa da naturalização em causa se baseou num exercício discricionário do poder, pode ser ilustrado pela duplicidade de critérios quando se compara este caso com o de Deco. E não faço esta comparação para, como os insuportáveis extremistas reunidos a 10 de Junho no largo Camões, questionar a naturalização de Deco e a sua integração na selecção nacional de futebol. Como já escrevi algures, “que venham mais decos!”. Ou seja, prefiro os critérios que basearam a concessão da naturalidade a Deco do que os que foram usados para a recusar à mulher da notícia do Público. Acima de tudo, porém, prefiro a equidade que, manifestamente, falta na aplicação da lei da nacionalidade. Mas lei que nasce torta…