quinta-feira, 23 de junho de 2005

No rescaldo da greve dos professores

1. Hoje termina a greve dos professores, ou antes, esta greve dos professores. Depois da erupção do conflito e das razões apresentadas por ambas as partes, é altura para se reavaliar passos e extraír consequências.
Nos meus contributos para o debate (em artigo no JN e no post “A propósito de progressões automáticas”) procurei demonstrar porque acho que o governo tem uma política globalmente justa para a Administração Pública, por dolorosa que seja e por mais amargos que sejam os seus reflexos nos professores. As minhas posições suscitaram reacções que merecem um comentário e um regresso ao debate e, por outro lado, o que se tem passado merece um olhar prospectivo.
2. Defender a bondade da política do governo não significa estar de acordo com todos os passos dados ou com o método escolhido. Acho que é um erro concentrar o discurso sobre as reformas necessárias no ataque às pessoas, sejam elas políticos, professores ou beneficiários do rendimento mínimo garantido.
3. A defesa do profissionalismo dos docentes não pode negar as evidências. Aos que desconfiam das comparações internacionais que suscitei, convido-os a dar uma vista de olhos pelos quadros do relatório da OCDE de onde elas saíram.
4. A questão das carreiras é muito séria. O Governo tem que ter consciência que nelas se jogam aspectos de identidade profissional, expectativas de vida e direitos de trabalhadores. Mas também é verdade que não há crime de lesa-majestade em querer rever carreiras em cujo funcionamento concreto se verificaram diversos...desfuncionamentos.
5. As medidas anunciadas em relação à idade da reforma terão que se adaptar aos professores, como se reconhece já que se adaptam aos polícias, por exemplo. Mas não será justo que um trabalhador do sector público tenha as mesmas regras gerais de aposentação (ou, durante um período de transição de duração adequada, mais próximas) de um do sector privado?
6. Há quem queira ver nesta argumentação a defesa da privatização da educação. Nada mais errado. O que mais combate a dignificação do ensino público é deixar expandir a ideia de que a despesa pública em educação é desperdiçada por anomalias como progressões por certificado de não formação ou horários zero a esmo, situações nas quais, aliás, o Ministério da Educação tem responsabilidades e o dever absoluto de corrigir.
7. Repito que é mais fácil chegar a ter razão do que conseguir mantê-la. Mas considerar uma violação do direito à greve a marcação de serviços mínimos é absurdo. Os trabalhadores dos STCP que fazem greve na véspera de São João, na cidade do Porto, não se lembraram de dizer que lhes tinham violado o direito a fazê-la por haver serviços mínimos nas horas de ponta.
8. Os professores demonstraram que estão descontentes. O governo tem o dever de apresentar medidas no que se refere às questões que resultam das opções que tomou. Mas os sindicatos, que começaram pelo topo da estratégia reivindicativa, disparando antes de perguntar, convocando greve antes de negociar, também têm que esclarecer se são os paladinos de mudanças justas ou os guardas do status quo.
9. Houve nesta greve coisas que nos deveriam tirar a todos do sério e de que aqui deixo apenas um exemplo. Quem se lembrou de chamar jornalistas para a porta de uma escola em que um filho de um membro do governo foi um dos cerca de duzentos jovens de todo o país que não puderam fazer exame durante esta greve? O que pretendia? Uma entrevista em directo a um aluno do 9.º ano? Onde é que se vai parar?
10. Depois da greve, dependerá da razoabilidade de ambas as partes, em última instância, o próximo ano lectivo. Oxalá nenhuma ceda à tentação de ganhar esta batalha à custa da educação.