Xenofobia sindical
Segundo Gonçalo Rodrigues, presidente do Sindicato dos Funcionários de Investigação e Fiscalização de Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o eventual reforço de critérios de direito de solo na nova lei da nacionalidade em preparação terá consequências catastróficas, facilitando a legalização de ilegais e fomentando a imigração de estrangeiras grávidas. O que acontece às crianças que hoje são estrangeiras na terra em que nasceram, pelo menos até aos 18 anos, é, para ele, irrelevante.
Estas declarações, veiculando a ideia de que a imigração é uma ameaça, são, objectivamente, xenófobas. São graves, por isso. Mas são mais graves ainda por serem pronunciadas por um inspector do SEF, pois ter no SEF um inspector xenófobo é o mesmo que ter um pirómano nos bombeiros.
É suposto que as polícias façam cumprir a lei. Não é suposto que o consigam fazer se incluírem entre os seus membros quem defenda ideais contrários ao texto constitucional, como é o caso da xenofobia.
Este é pois um episódio triste na história do sindicato do SEF. Infelizmente, quando o Público titula “SEF contra a lei da nacionalidade”, é todo aquele serviço que se vê manchado por esta atitude xenófoba. E o SEF não o merece.
É também grave que o sindicato do SEF entenda ser seu direito a negociação das orientações políticas governamentais do sector incluídas em Programa de Governo aprovado na Assembleia da República. Não é caso único no movimento sindical nacional. Mas nem por isso é mais tolerável. A defesa da democracia passa pelo combate a derivas neocorporativas como esta. E é ainda grave que, na prática, o inspector do SEF esteja, com as suas declarações, a tomar partido não no debate político nacional mas na disputa interpartidária — como é evidente na comparação feita entre o que é apresentado como a bondade da orientação do governo anterior e o catastrofismo das novas orientações do governo em funções.
Dois comentários finais. Em primeiro lugar, regista-se o modo como o inspector do SEF comenta declarações do Sr. Presidente da República: com exemplos destes, não invoquem, depois, o estafado argumento da crise da autoridade do Estado.
Em segundo lugar, a questão que se impõe: na história europeia, os sindicatos foram, com frequência, campeões da xenofobia, procurando com isso impedir o acesso de trabalhadores estrangeiros ao mercado de trabalho nacional. Esta xenofobia obedecia a uma lógica de interesses (a protecção do emprego dos seus membros), mesmo que à custa de valores. Nas últimas décadas, o movimento sindical europeu tem procurado incluir no seu espaço de representação também os trabalhadores estrangeiros, quanto mais não seja porque é agora do seu interesse aumentar a base de uma sindicalização em recuo. Estará reservado para o sindicato do SEF, ou para o seu presidente, a duvidosa honra de protagonizar um sindicalismo xenófobo de valores?