segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Forças de bloqueio na reforma do superior

Há hoje, na crítica aos privilégios corporativos, um estranho ausente: as ordens profissionais, em rigor as verdadeiras corporações. E, no entanto, estas constituem, com frequência, um factor de bloqueio de reformas modernizadoras. Em particular, devido ao estranho poder de que dispõem de credenciação dos cursos do ensino superior, poder estranho porque, tanto quanto sei, é não só único na Europa como conflitua com os poderes educativos do Estado e com a autonomia universitária.
Não se trata, neste caso, de um privilégio sobretudo simbólico. Nem de coisa do passado, como foi o caso, por exemplo, da rarefacção do número de médicos que garantiu uma sobrevalorização da remuneração da profissão médica. Veja-se, hoje, o papel das ordens no bloqueio às chamadas “reformas de Bolonha”.
Em primeiro lugar, resistindo o mais possível à redução da duração do primeiro ciclo do ensino superior, apesar de todos os dados mostrarem que as taxas de escolarização e de graduação são inversamente proporcionais à duração das licenciaturas. Como é referido no último Education at a Glance, de 2005, “The shorter tertiary-type A programmes are, the higher participation is in tertiary education” (p. 47; ver gráfico).
Em segundo lugar, e como acontece no caso das engenharias, impondo matrizes rígidas de organização dos currículos que impedem a organização destes no sistema major-minor, isto é, que impedem a existência de articulações fortes da formação aprofundada em engenharia com a formação inicial noutras áreas disciplinares.
Em suma, as ordens têm-se notabilizado por utilizarem os seus poderes para reduzir o número de entradas no sistema sempre que podem, para prolongar a duração dos cursos sempre que as deixam e para fechar os currículos, como o fazem hoje, aos cruzamentos disciplinares. E depois estranham as críticas ao enquistamento corporativo que lhes são dirigidas.
Em rigor, no entanto, esta crítica tende a fazer ricochete. Pois tendo as ordens apenas os poderes que para elas o Estado delegou, nenhum governo se poderá queixar quando elas bloqueiam reformas que aquele procure incentivar. Enquanto se mantiver esta espécie de esquizofrenia na organização do Estado, com poderes centralizados e, ao mesmo tempo, delegados, a responsabilidade dos bloqueios será sempre… do Estado.
Para quando, pois, uma reformulação e clarificação do poder das ordens profissionais que anule a transferência para estas de poderes no campo da educação?


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