Cortina de Ferro?
Segundo o Público de hoje (26/10), “Bucareste reprime imigração ilegal”.
A minha primeira reacção foi de surpresa: não sabia que havia problemas de imigração ilegal na Roménia. Lendo o artigo, percebi o meu equívoco. O problema noticiado diz respeito a emigrantes, isto é, a romenos que pretendem sair do país e são impedidos de o fazer pelas autoridades romenas, e não a imigrantes, isto é, a estrangeiros que pretenderiam entrar na Roménia ilegalmente. O que me coloca um problema: não há, em democracia, emigração ilegal, constituindo a possibilidade de sair do país um direito básico de todo o cidadão livre.
Claro que em Portugal, durante o regime salazarista, havia emigração ilegal. E claro, também, que o direito de sair do país foi restabelecido assim que foi reposto o regime democrático.
Claro que nos países do Leste, ao tempo soviético, havia emigração ilegal, aliás dificultada pela transformação da fronteira na famosa Cortina de Ferro. E claro, também, que o derrube do regime e a marcha para a democracia restabelecerem o direito de saída.
Mais, neste caso, a reclamação do derrube da Cortina e do direito à emigração foi uma componente essencial da luta contra os regimes autoritários do Leste europeu. Foi, ainda, parte importante dos episódios da Queda do Muro e, sobretudo, foi uma das exigências do Ocidente ao Leste durante toda a Guerra Fria. Em rigor, o símbolo maior da superioridade das democracias ocidentais sobre os regimes comunistas do Leste foi, durante toda a Guerra Fria, o direito à emigração, respeitado a Oeste, negado a Leste.
Ironia trágica: hoje, a UE exige aos novos parceiros do Leste que violem o mesmo direito que simbolizou a sua superioridade moral e política no passado recente. Tentou fazê-lo, explicita e publicamente, durante a Cimeira de Sevilha, mas a reacção crítica impediu tal objectivo. Fá-lo agora pela calada, jogando com o desejo de integração a Leste para chantagear com eficácia os governos daqueles países.
O título correcto do artigo do Público seria pois “UE impõe à Roménia reconstrução da Cortina de Ferro”.
Para nossa vergonha.