Coisas terrenas
As previsões de Olivier Blanchard (hoje no DN Economia) para a economia portuguesa são sombrias: uma década para corrigir os níveis elevados de défice externo e desemprego ou um verdadeiro choque salarial com redução de salários nominais para fazer sem moeda própria o que antigamente se fazia com as desvalorizações, cortando os salários.
Pareceu-me que Blanchard não propôs verdadeiramente a redução dos salários, quis usar a ideia para expôr a sua convicção da inevitabilidade de vivermos cinco a dez anos com desemprego elevado.
A terapia será, então, provocatória, mas subjaz-lhe a ideia de que Portugal chegou a um patamar de que apenas sairá, para cima, com alguma mudança radical em alguma coisa. Estes são, nos países em que o método é praticado, os momentos para celebrar pactos sociais, para consensualizar a visão, discutir o caminho e partilhar os custos. As alternativas disponíveis incluem a afirmação voluntarista do Estado, a estagnação ou o milagre.
Talvez tenhamos chegado a uma conjuntura que exige de todos - e não apenas do Governo - que ponham em cima da mesa as suas visões das estratégias possíveis para o país saír da crise e de confrontar cada um dos parceiros - governo e oposição, sindicatos e associações patronais - com a responsabilidade de escolha ou não de um caminho convergente para que este mau momento alimente uma restruturação que torne os seguintes melhores em vez de apenas arrefecer a economia e destruír capacidades que não são substituidas.
Julgo, no entanto, que todos os parceiros sociais e toda a oposição tentam usar neste momento, nesta matéria e contra este Governo a técnica do judo que consiste em projectar o adversário com a sua própria energia, enquanto o PS e o governo continuam a tentar demonstrar empenhadamente toda a sua técnica e capacidades. Ou será que o país vai conseguir ter, nesta legislatura, o pacto social digno do nome que se anda a adiar ou a fazer aos soluços há tanto tempo?