Estado, tabaco, automóveis
As anunciadas medidas de limitação do fumo, agora em todos os locais públicos, merecem ser discutidas.
1. Em primeiro lugar, são medidas que concretizam um maior controlo das nossas vidas pelo Estado. Tecnicamente são totalitárias (o que não é o mesmo que fascistas ou autoritárias), pois esse controlo visa não só a protecção de terceiros mas também a formatação da vida de cada um e de todos nós segundo um modelo de referência higienista, como transparece na anunciada colocação de imagens macabras nos maços de tabaco, assim se dando continuidade, mais de uma década depois, à frase publicitária de mais mau gosto da nossa história recente (que cito de cor): “beijar uma mulher que fuma é como lamber um cinzeiro” (de Macário Correia).
2. Há abuso no uso do tabaco? Há, mas hoje muito menos do que ontem. Convinha, no entanto, que a lei compartilhasse o espaço de regulação da vida quotidiana com a censura e o controlo morais. Com a omnipresença da lei convida-se à amoralidade, dispensa-se a boa educação e, no limite, judicializa-se o dia-a-dia. A lei foi, no passado, importante para induzir uma consciencialização maior dos malefícios do tabaco e para reforçar uma menor tolerância em relação aos abusos da maioria dos fumadores. Importava que a lei continuasse a ter esse papel, nomeadamente por via, agora, de uma maior fiscalização do seu relativo (in)cumprimento. Mas seria desejável a preocupação de nem tudo regular por via legal.
3. Como seria desejável evitar uma tão grande dualidade de critérios como a que se observa quando se compara a “obsessão” com o tabaco com a “compreensão” para com a sinistralidade automóvel. Os carros, mal usados, matam, são armas. E não matam sobretudo na velhice, matam jovens e adultos jovens. Não antecipam a morte em alguns anos, interrompem cedo e subitamente a vida. Em todos os países da UE (à excepção, mais formal do que real, da Alemanha), existem limites gerais de velocidade de circulação automóvel; ao mesmo tempo, todos os países da UE procedem à homologação de carros com uma velocidade de ponta bem superior à estipulada nesses limites. E toleram, sem sobressaltos, campanhas publicitárias em que se destacam as potencialidades de condução agressiva deste ou daquele automóvel. Quando não promovem, com dinheiros públicos, o desporto automóvel. Questão: vamos passar a exigir que se escreva nas nossas viaturas “os carros matam”, em letras de tamanho proporcional às que decoram os actuais maços de tabaco? E fotos de desastres automóveis e de corpos estropiados, do mesmo tipo das que se anunciam para os maços de tabaco?
4. A dualidade total entre radicalismo antitabágico e grande tolerância para com a “virilidade” automóvel teve de novo expressão na recente polémica sobre os limites legais da taxa de alcoolemia dos condutores. Taxa essa que, em rigor, deveria ser, simplesmente, zero, caso predominasse o critério da protecção da vida e da integridade física de terceiros. Parece, no entanto, que o (mesquinho) respeitinho pelos galões foi, neste caso, mais importante do que a preocupação com a saúde pública. Sem esquecer, claro, os superiores “interesses da lavoura nacional”. Critérios…