Cultura virtual
Hoje quase só ouço rádio no carro, sintonizado, por regra, na Antena 2. Quando a conversa domina sobre a música mudo para a antiga Luna, hoje Classe FM. Esta, porém, exagera na falta de conversa, sendo frustrante ouvir uma peça que não se (re)conhece e não ter qualquer informação sobre ela. Em contrapartida, a Antena 2 é informativa mas esconde dos ouvintes a referência ao editor das músicas difundidas. Está lá tudo o resto: compositor, intérprete(s) e, em alguns casos, local e data de gravação. Sobre o editor, porém, nada. É como se as gravações existissem sem mediações editoriais, sem suporte físico, sem acção económica.
Disseram-me que é para evitar a publicidade, mas não me parece que o argumento faça qualquer sentido. Se assim fosse, as bibliografias académicas também deveriam omitir o editor dos livros referenciados. Ou, noutro campo, as transmissões e notícias sobre a competição automóvel deveriam omitir o nome das marcas. Imagine-se a notícia: “…a prova foi ganha pelo piloto do carro amarelo cuja marca começa por R, ficando em segundo o piloto do carro vermelho com um cavalinho amarelo pintado na carroçaria.”
Parece-me antes que esta prática ingénua revela o predomínio de uma concepção sobre a cultura com horror às indústrias da cultura. Um entendimento da cultura que convive mal com as condições materiais da sua produção e difusão, como se fosse possível a desmaterialização da obra cultural e exigível a sua total desmercantilização.
O apego a esta concepção da cultura como algo virtual e livre do mercado resvala para o preconceito. Mas o preconceito tem efeitos colaterais. Em rigor, o que a Antena 2 faz viola os princípios deontológicos da citação.