sexta-feira, 9 de junho de 2006

“Désirs d'Avenir”

As eleições não se ganham na net em lado nenhum do mundo. O que só dá mais valor ao uso deste recurso para construir uma campanha eleitoral, como está a fazer Ségolène Royale em França.
Lê-se que o aparelho partidário desconfia dela. Vê-se que tenta projectar nacionalmente o capital político adquirido no governo local. Começa-se a ouvir vozes que levam a sério a sua candidatura, apesar de que esta teria, à partida, poucas possibilidades.
Não tenho grande simpatia pelo modo como o PSF se (im)prepara para as presidenciais. Pior, só mesmo a despreparação a que assistimos em Portugal. Mas tenho-a pelo modo como os partidários de Ségolène lançaram o seu movimento na net. Na generalidade das campanhas, a página oficial é um instrumento que se desenvolve porque tem que ser e para o qual não há projecto especial nem lugar de relevo. Quando muito, marca a agenda, é recurso para a imprensa e montra gráfica.
Como pode ver consultando os Désirs d'Avenir, para o staff desta pré-candidata não é assim.
A página oficial de Ségolène tem um fim político claro. Faz parte da tentativa de identificar a pré-candidata com um futuro positivo. E, sobretudo, é um insturmento de demonstração de que os mecanismos participativos que reivindica são possíveis no policymaking das políticas nacionais mais nobres.
Gosto da maneira como trilha este caminho. Os temas mais controversos são primeiro lançados sob a forma de interrogações que dão lugar a debates e depois aparecem propostas e respostas.
É verdade que o exercício é mais conseguido, pelo menos até agora, no plano formal do que no dos conteúdos. Bem como que o que leio se enquadra no politicamente correcto, sendo interessante sobretudo pela escolha dos temas. Percorrendo as páginas e os debates sinto que pouco se progride de facto em função do feedback obtido. Os cínicos dirão que este exercício participativo é pouco mais do que actividade ocupacional para eleitores e internautas.
Mas essa escassez de imaginação não resulta do formato da comunicação, antes ocorre apesar dele e, por mim, prefiro que se corram esses riscos a ver centenas de páginas igualmente pouco imaginativas escritas em semiclandestinidade.
Entre nós (e em França, geralmente, também), acha-se depreciativamente que os temas de Estado não se dão bem com a praça pública. Desvaloriza-se um político que interrogue antes de prescrever. Um bom programa é o que só é conhecido depois de acabado e um bom líder só tem que o ter lido quando for chamado a defendê-lo. Não admira que seja menorizado e descartável.
Confesso que gostava de ver em Portugal um programa político a nascer, por etapas, sujeito a um contraditório longo e partindo de interrogações em vez de certezas, de dúvidas em vez de respostas.
Tenho, pois, simpatia pelo exercício democrático de Ségolène Royale e estou curioso de ver como termina.