Educação: os factos contra as retóricas de ocasião
A sucessão de declarações recentes da Ministra da Educação vieram, em minha opinião, confirmar que as mudanças projectadas pelo Governo, e que estão em curso, são baseadas numa identificação séria dos problemas, a partir da qual foi traçada uma estratégia que visa resolvê-los.
Pode-se, evidentemente, discordar duma e doutra coisas. Mas, se se quiser merecer o respeito dos interlocutores num debate com consequências muito sérias para o nosso futuro colectivo, parece de indesculpável ligeireza que se passe ao lado dos factos ou se pretenda substituir a sua discussão fundamentada por uma qualquer retórica de circunstância.
Os factos
De acordo com os Recenseamentos Gerais da População, os progressos da escolarização foram notáveis: entre 1970 e 2001, o analfabetismo passou de 26% para 9% e a população com níveis de educação médio ou superior passou de 1,6% para 10%. Porém, não basta:
- O abandono escolar antecipado - pessoas com 18 a 24 anos que não tinham educação superior nem estavam em educação ou formação - era em 2005 de 38,5%, o que fazia de Portugal o segundo pior da UE25 (média=14,9%).
- O nível de escolarização atingido pela juventude em Portugal– pessoas com 20 a 24 anos de idade e 12 anos de escolaridade - era, em 2005, o 3º pior da UE25, cujo valor médio é nitidamente superior.
- Os níveis de competências adquiridas pelos alunos com 15 anos de idade era o 4º pior da OCDE (Fonte: Education at a Glance. OECD Indicators 2005. Executive Summary:16).
- No ensino primário, o rácio de alunos por professor era, em 2005, dos mais favoráveis da UE25: em Portugal havia 11,1 alunos por professor, enquanto que na Suécia havia 12,1, na Holanda 15,9, na Finlândia 16,3 e na Irlanda 18,3.
- De acordo com os indicadores publicados pela OCDE, Portugal é o país que gasta com as remunerações a maior percentagem da despesa corrente em educação nos níveis primário, secundário e pós-secundário (Fonte: Education at a Glance. OECD Indicators 2005. Executive Summary: 38).
- Em consequência, o rácio do salário a meio da carreira dos professores do secundário inferior e o PIB per capita é o terceiro mais elevado da OCDE (Fonte: Education at a Glance. OECD Indicators 2005. Executive Summary: 57).
- De acordo com as declarações públicas da Ministra da Educação, nos últimos dez anos diminuíram os alunos e mantiveram-se os resultados.
- Há 2,5 milhões de portugueses activos que não completaram os 12 anos de escolaridade.
- Os níveis de escolarização da população empregada contam-se entre os piores da UE25.
- A percentagem da população adulta (25 a 64 anos) que, 2005 e em Portugal, participou em acções de educação e formação (4,6%) é menos de metade da média comunitária a 25 (10,8%) e compara com 8% na Irlanda, 16,6% na Holanda, 24,8% na Finlândia e 34,7% na Suécia.
Contra as retóricas de ocasião
Todos estes indicadores confirmam o que o Governo vem dizendo sobre a questão da educação e da formação. E, assim sendo:
- É falso que a educação e a formação tenham andado para trás, como ás vezes se lê.
- É indispensável resolver os problemas de qualificação para que seja possível competir nos mercados europeus e mundiais fora dos sectores de baixa qualificação e baixo salário, pelo que passar ao lado desta questão, por ignorância ou por interesse próprio, é inaceitável.
- A experiência das últimas décadas e os indicadores actuais mostram que esses problemas existem quer nos jovens, quer nos adultos, mas são ainda mais graves no segundo grupo, que tem especiais dificuldades de acesso à educação e à formação.
- Depois de mais de uma década de investimento público na educação, verifica-se que os resultados obtidos estão aquém do esforço público feito, o que indica que as regras que estruturam o sistema devem ser adequadas aos problemas identificados.
- É, assim, evidente a necessidade de gerir melhor os recursos públicos atribuídos à educação: contrariamente ao que se passava há 20 anos atrás, o problema já não são tanto os meios disponíveis mas, sobretudo, os da sua atribuição selectiva e os da sua gestão competente.
- Se é inútil e perniciosa a procura de culpados e a estigmatização quer dos profissionais envolvidos na produção e reconhecimento das qualificações, quer dos governantes, são igualmente inaceitáveis, porque não têm fundamento, as retóricas de ocasião que procuram na vitimização dos professores a desculpa para não discutir os factos.
- O sucesso escolar dos jovens e dos adultos e o aumento do acesso dos adultos à educação e formação de que carecem para assegurar a sua empregabilidade presente e futura não se poderá obter sem uma diversificação das ofertas curriculares e dos horários em que são disponibilizadas.
- Problemas de qualificação com a dimensão dos que existem em Portugal exigem tanta negociação e concertação quanto tornam inadmissível o ataque pessoal aos interlocutores e a substituição da negociação séria pelo conflito permanente, como vem fazendo uma das maiores organizações sindicais da educação.
- É tão legítimo uma organização sindical defender os direitos dos trabalhadores que representa como inaceitável que o faça sem ter em conta os direitos dos outros cidadãos, como aconteceu coma “greve aos exames” do ano passado.
- Sendo Portugal um país de baixos salários e de elevado nível de desigualdade, compreende-se que os sindicatos dos professores reivindiquem a melhoria do estatuto dos seus associados. Mas é inaceitável que o façam sem terem presente que o nível médio de remuneração dos que representam é bastante favorável quando comparado com o salário médio do país e não dando valor ao generoso sistema de carreiras profissionais que existe no sistema público de ensino primário, preparatório e secundário.
[Declaração de interesses: fui aluno e sou amigo de Maria de Lurdes Rodrigues que, como a própria costuma dizer, "está" Ministra da Educação; colaboro, como consultor, com o Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, José António Vieira da Silva; nem um e nem outro me forneceram qualquer dado ou me sugeriram que escrevesse sobre o que aqui fica dito; sou professor. ]