As coisas mais complexas são as mais simples (2)
Os comentários a este meu post sobre os exames de Química e Física do 12º ano demonstram a extensão e também o modo como decorre o debate sobre educação em Portugal. Volto ao assunto, apenas para que os comentários que o merecem não fiquem sem resposta:
1. Não é verdade que tenham sido repetidos apenas os exames de Química e de Física: em todos os exames há duas fases (ou seja repetições) que podem ser realizadas por todos os estudantes.
2. Não é verdade que só em Química e Física tenha sido possível repetir, na segunda fase, o exame realizado na primeira. Qualquer aluno pode melhorar na segunda fase a nota obtida na primeira, contando essa melhoria para a média da nota de conclusão do secundário.
3. A chamada excepção da Física e da Química é outra: o ME permitiu que naquelas duas disciplinas a melhor nota das duas fases fosse usada como nota da primeira fase na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior. Em regra, e por decisão do Ministério do Ensino Superior publicada em Março, só seria permitida a participação na primeira fase do concurso de acesso ao ensino superior aos alunos que tivessem feito apenas uma das fases do exame do secundário (mas não aos que melhorassem na segunda fase a nota da primeira). Os outros teriam que concorrer às sobras na segunda fase do concurso.
4. Não é verdade que o ME tenha justificado a excepção no regime de acesso ao superior naquelas duas disciplinas com a existência de questões erradas nos enunciados.
5. O motivo invocado pelo ME para aquelas excepções foi a conjugação de vários factores que explicam a descida pronunciada das notas (não só da média mas também, por exemplo, da percentagem de positivas): descida por comparação com os resultados das provas tanto dos anos anteriores como das deste ano nos programas antigos.
6. Aquilo a que se chamam provas-tipo e que algumas pessoas se queixam de não ter havido são, em geral, compilações de exames de anos anteriores. Na física e na química dos novos programas este foi o primeiro exame. Noutras disciplinas também com novos programas as reformas foram pontuais (enquanto na química e na física foram profundas, em especial na primeira). Nessas outras disciplinas havia pois, na prática, provas-tipo, já que o exame deste ano teria sempre estrutura semelhante à de anos anteriores.
7. Neste contexto, em Física e Química, dada a diferença entre os novos e os velhos programas, os alunos que tivessem optado por ir apenas à segunda fase tinham, em abstracto, uma enorme vantagem: seriam os únicos que conheceriam o equivalente a uma prova-tipo (o exame da primeira fase). E os resultados da primeira fase sugerem que essa vantagem poderá ser decisiva. Não deixa de ser curioso que essa vantagem seja agora defendida com base na defesa formal das regras do jogo, ao mesmo tempo que se proclama, no plano dos princípios, a centralidade dos exames nos processos de selecção com base no mérito.
8. Quando há situações excepcionais pontuais justificam-se soluções excepcionais pontuais. Não recebi nenhuma resposta que me levasse amudar de posição. A que foi tomada pelo ME é provavelmente a que tem menos efeitos negativos e permite corrigir minimamente os problemas em causa, inclusivamente os que resultariam de uma não decisão: caso em que estariam em vantagem absoluta, sem hipótese de correcção, no acesso ao ensino superior, os alunos dos programas antigos, independentemente da existência de diferenciais de mérito entre estes alunos e os dos novos programas.
9. Haveria possibilidade de ter antecipado os problemas verificados? Hoje são muitos os que tal dizem, mas fazendo lembrar aquela célebre frase: "prognósticos só depois do jogo". E sem nunca explicarem como o fariam sem intervenções ainda mais penalizadoras para os alunos que este ano estiveram a frequentar o 12º ano.
10. Parece evidente, em particular da parte do PSD e do CDS que queriam que a Ministra da Educação lhes entregasse a cabeça dos responsáveis pelos exames. Hão-de ter as suas razões e não há profissionais isentos de falhas. Mas personalizar neles a responsabilidade pela injustiça potencialmente produzida neste caso seria apenas uma forma de encontrar bodes expiatórios, atitude que nunca resolveu problemas nem diminuiu injustiças.
11. No entanto, há uma alternativa estrutural para o futuro. É "fácil" evitar problemas destes: desligando de vez a conclusão do ensino secundário do acesso ao superior.
12. Fazê-lo teria, aliás, a grande vantagem de libertar energias e recursos para o que verdadeiramente importa ao nível do ensino secundário. Ou seja, aumentar os níveis de conclusão com sucesso e aprendizagens de qualidade em vez de subordinar demasiado este nível de ensino à função de corredor de passagem entre o básico e o superior.
13. É natural que quem não concorde com o Programa do Governo ou com a actuação da Ministra da Educação faça por aproveitar todos os momentos para tentar que ela desacelere ou interrompa o seu impulso reformista ou para que seja impedida de continuar a agir. Só não é normal que o faça com base na insinuação, no insulto ou nas tentativas de diminuição do carácter. As discordâncias políticas são políticas e não devem sair desse registo.