O preço da transição nas pensões de reforma
Em comentário a um post meu anterior, Eduardo Gravanita coloca uma questão sobre pensões de reforma que vale a pena ponderar. Refraseio-a para ser mais genérica e curta e peço-lhe desculpa se o interpreto mal: será justo que dois indivíduos que tenham carreiras contributivas (anos de descontos e níveis de remuneração sobre os quais os seus descontos incidiram) idênticas, aufiram pensões diferentes, porque se muda a fórmula de cálculo da pensão?
A política social é um processo de aprendizagem com o passado, de aperfeiçoamento e de consideração de novos problemas. Muda-se para melhorar. É o que se está a passar com as pensões. A nova fórmula de cálculo desenhada em 2001 e que contabiliza toda a carreira profissional protege os que cumprem a suas obrigações e dificulta a vida aos que tentam manipular as suas carreiras contributivas nos últimos anos da vida activa.
Mas todas as transições têm um preço em termos de criação de injustiças relativas e a questão reside em fixar critérios para definir as que são menos injustas.
O primeiro desses critérios num Estado de direito tem que ser o da salvaguarda de direitos adquiridos. A meu ver uma pensão já atribuída é um direito adquirido e não poderá ser piorada por legislação posterior.
A seguir há que considerar os direitos em formação. Os cidadãos comportam-se de acordo com expectativas que são geradas pelo quadro jurídico existente e as consequências dos comportamentos já tidos deve ser tida em conta quando se mudam as regras. Por isso, para os cidadãos que já tinham começado as suas carreiras profissionais quando a nova legislação entrou em vigor terá sempre que se considerar alguma forma de equilíbrio entre os períodos passados num e noutro quadro normativo. Este é um ponto essencial em que este Governo está a mexer, acelerando a transição para a plena entrada em vigor da nova fórmula por relação ao que havia sido acordado em concertação social em 2001 e está a fazê-lo pelo método adequado, negociando de novo na concertação social.
Ou seja, parece-me claro que uma vez atribuída uma pensão, ela não deve ser revista para baixo por efeito de novas regras, enquanto no terreno das que irão ser atribuídas nos próximos anos já há muito mas flexibilidade dos princípios e a decisão deve ser marcada por considerações políticas e de realismo.
Questão diferente, no entanto, é a de saber se aqueles que já estão reformados quando uma nova lei entra em vigor e seriam beneficiados por ela devem sê-lo e se os que se vão reformar nos anos de transição e seriam beneficiados pela nova lei devem beneficiar plenamente dos seus efeitos. Não têm direito a tal, a lei pode ou não fazê-lo e em regra não o faz. No sistema de transição actualmente em vigor fá-lo para as pensões a atribuir mas não para as atribuídas. Não sei ainda como o vai fazer depois da revisão que está em discussão. Mas sinto, no plano moral, mais dificuldades com esta dimensão da injustiça, porque pune em termos relativos os cumpridores.
Embora seja controverso, assumo que acho menos injusto em política social não punir retroactivamente os que aproveitaram as margens de uma lei que desaparecem com a sua revisão do que não premiar desde o primeiro momento os cumpridores que beneficiariam com o aperfeiçoamento introduzido.
No seu texto o Eduardo Gravanita fala ainda do tema recorrente da falência da segurança social. Deixe-me que lhe diga, a esse respeito, que nas condições actuais e previsíveis a segurança social tem bastante mais solidez do que a generalidade dos outros subsectores da despesa pública. Garantias de que o país não estagna ou não colapsa economicamene são impossíveis, a certeza absoluta de que não haverá comportamentos destrutivos de futuros governos ninguém pode dar, mas eu dou importância é eficiência social da democracia e à escolha acertada dos eleitores e, portanto, estou convencido de que o sistema irá sendo calibrado pelos sucessivos governos para se manter sustentável nas condições previsíveis em cada momento.