terça-feira, 19 de setembro de 2006

a ler

"(...) dois homossexuais que tenham vivido, por exemplo, há mais de quarenta anos uma vida em comum (como acontece comigo) que direitos práticos têm hoje neste país? Nenhuns. Dois homossexuais que pretendam defender o seu amor que começa e ir com ele até ao fim das suas vidas que perspectiva têm? Talvez só a de o acaso os não separar por imperativos de emprego ou de outra natureza corrente qualquer.
(...)
Tendo passado a não haver objecção a nada do que diz respeito à homossexualidade por parte dos saberes científicos hoje conhecidos, parece permanecer uma fobia apenas entre vários legisladores (esquecendo-se eles de que ninguém está a falar de leis divinas, mas de leis humanas para regular o equilibrado funcionamento da sociedade realmente existente). (...)
Este assunto, porém (...) não deveria ser resolvido senão muito seguramente, para que não «estale» esse verniz com que outros «vão à ópera». Em Portugal era necessário que não se pensasse que este assunto é uma questão da esquerda ou um intuito de rompimento do tecido social. Não é. (Um ano após a possibilidade dos casamentos entre homossexuais, em Espanha, no cômputo da totalidade de todos os casamentos realizados, os entre homossexuais mantiveram-se no âmbito dos zero vírgula poucos por cento, como aliás seria de prever em termos estatísticos.)
A homossexualidade foi tão perseguida pelas ditaduras de direita como pelas de esquerda. Nas democracias há homossexuais de todas as tendências políticas. Entre nós, muitos não se sentem confortáveis com a defesa dos seus direitos apenas pelos partidos que já avançaram com propostas positivas, mas que não fomentam um apoio que necessita de ser muito mais alargado. As vozes que surgem de sectores partidários que ainda temem estas questões deveriam ajudar esses próprios sectores a encontrar um equilíbrio para um mais justo regulamento da cidadania. O próprio Presidente da República não manifestou fechamento quando respondeu a uma pergunta sobre esta matéria no seu período de campanha eleitoral. Em concreto, sem a direita do PS e, dando motivo a mais preocupação, sem o aceitamento do PSD (onde figuras significativas têm manifestado o seu reconhecimento da importância de corrigir esta situação), somente poderão produzir-se conteúdos jurídicos esvaziados de efeitos práticos e, o que muito importa, permanentes. É mesmo plausível que múltiplos apoiantes do CDS-PP lhe agradecessem o ter contribuído para resolver a ordenação da sua vida.
Pois é de ordem que se trata. E tudo estritamente no plano civil."
Joaquim Manuel Magalhães, "meditação causada por um livro"