quarta-feira, 18 de outubro de 2006

Por que convidar partidos que suportam ditaduras?

Tive, em tempos idos, algumas responsabilidades nas relações internacionais do PS e lembro-me bem da dificuldade em fazer valer alguns princípios no ordenamento das listas de convites para os congressos.
O PS, sob o síndroma de ser um partido com vocação de governo e alguma displicência proverbial na organizaçao dos eventos, não tinha e continua, parece, a não ter linhas claras de demarcação entre a política de Estado e a política partidária. Mais, havia até convites que derivavam de inércias que a história já tinha tornado incompreensíveis.
Infelizmente, essas dificuldades crescem quando há interesses de Estado nas relações com ditaduras de partido único. Foi sempre nesse capítulo que se inseriram os contactos com o Partido Comunista Chinês, interrompidos depois de Tianamen e retomados não sei quando.
Há, ainda, os casos das ditaduras cujos diplomatas passam a vida a fazer charme aos dirigentes das relações internacionais, em busca de um convite que dê a aparência mínima de haver um relacionamento entre partidos que possa ser apresentado nos relatórios para os respectivos ministérios como uma prova da sua dedicação.
Nas actuais circunstâncias, se é completamente compreensível que o Estado português defenda os seus interesses no relacionamento com ditaduras, já é indefensável que transfira para a vida partidária equívocos quanto à natureza do relacionamento com essas mesmas ditaduras. Em Portugal e nas democracias pluralistas, mesmo quando ganham as eleições, os partidos não se fundem com o Estado. A manutenção da diferença é, aliás, um sinal básico de qualidade da democracia.
Neste contexto, acho - tal como outros socialistas, pelo menos aqui, aqui e aqui - tão injustificável qualquer relacionamento partidário privilegiado com o partido que gere ditatorialmente o florescente capitalismo chinês como desejável o bom relacionamento com tal capitalismo e com o Estado em que se insere a região especial de Macau. O PCC, aliás, podia bem estar representado no congresso do PS pelo pessoal da embaixada, já que, para além de serem competentes, são, na China, uma e a mesma coisa.
Espero que o meu camarada José Lello, quando justifica este convite com o interesse de dar lições de democracia com o nosso congresso não estenda o seu raciocínio ao ponto de também querer dar lições desse tipo a outros estranhos convidados que frequentavam em tempos os congressos do PS como o Partido do Trabalho da Coreia do Norte. No entanto, não há dúvidas que por esse critério, necessitariam do contacto ainda mais que o PCC.
O critério que acho que devia ser aplicado é simples, embora quase nunca o tenha sido e provavelmente nunca integralmente. Para os congressos do PS convidam-se os partidos estrangeiros que se possam inserir com um certo grau de probabilidade na grande família dos socialistas, sociais-democratas e trabalhistas ou que, não se inserindo aí, pelo menos defendam ideias básicas de democracia pluralista, respeito pela cidadania e defesa do Estado de direito. O resto, incluindo os inimigos juramentados do conteúdo da Declaração de Princípios do PS não há realpolitik partidária que deva cobrir.

PS. Já agora, se o Partido Comunista Chinês é membro observador da Internacional Socialista, como se depreende da notícia do DN, alguém deve fazer o reparo de que esta se esqueceu de actualizar a sua página, uma vez que não está mencionado ainda.