sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Está lá? É do não?

O lançamento do novo cartaz do não abrilhantado por João César das Neves deveria ser celebrado por todos os adeptos do sim no referendo da IVG.
O tom da intervenção do professor, segundo leio aqui, não podia estar mais longe do que a campanha do não tem vindo a adoptar. Onde até agora houve respeito pelo dilema moral da mulher, há agora a comparação da decisão de abortar com a aquisição de telemóvel.
O economista não tem razão na questão substancial, quando equipara a despenalização da IVG com o surgimento de um novo produto no mercado. O aborto já existe no mercado e o novo produto não. Se quisesse seguir essa liha de raciocínio poderia, com mais propriedade, compará-lo com a saída da clandestinidade de um produto existente. O bom liberal poderia recordar-se que a proibição do alcool nos EUA não acabou com o seu consumo, apenas fortaleceu o crime organizado e teria melhor paralelismo: um dos efeitos positivos da despenalização é o reforço da eficácia do combate às redes criminosas do aborto clandestino. Se isso fizer o número de abortos captado pelas estatísticas subir, qual é o problema? Também é verdade que quando se abre uma esquadra o número de queixas por furto aumenta. Mas os furtos aumentam? O aborto também não.
Mais importante em tempos de campanha eleitoral é que, para além de não ter razão, César da Neves está a levar a campanha do não para os terrenos que a própria hierarquia da Igreja Católica evita, os da desvalorização do dilema moral de cada mulher que aborta. E a consciência dilacerante desse dilema é muito mais generalizada do que a adesão ao sim.
Se o economista compara com esta facilidade a decisão de abortar e o desejo de ter telemóvel, continue a usar a imagem. Oxalá a campanha do não recorra muitas vezes à pessoa e ao argumento. Ele é o equivalente reaccionário do desastrado "na minha barriga mando eu". O sim devia agradecer publicamente cada nova intervenção do estilo telemóvel que César das Neves estiver disposto a fazer. E encorajar o não a que o campo seja representado por ele em iniciativas públicas.