Ideias feitas
1. Recorrentemente, o “problema” do desemprego de licenciados ocupa os títulos das notícias. Não importa repetir, pela enésima vez, que uma licenciatura constitui recurso extra para entrar e competir no mercado de trabalho, apesar de todos os dados o revelarem com clareza: a taxa de actividade sobe com a qualificação (de 59% para os titulares do ensino básico até aos 84% para os licenciados); o emprego de licenciados cresce quatro vezes mais do que o emprego em geral e a taxa de desemprego dos licenciados é cerca de dois pontos percentuais inferior à taxa geral de desemprego (ver quadro 1).
IEFP, Situação do Mercado de Emprego. Relatório Semestral, 2006.
[Deve ser a inveja a funcionar: tomem lá oh dotores, também têm desemprego.
Ou estratégia monopolista: deixa cá dizer que nem compensa assim tanto terem os mesmos recursos que eu, para ver se fico com menos concorrência.]
2. Táctica mais sofisticada consiste em apurar o alvo. Na passada segunda-feira (8/1/2007) o JN titulava triunfantemente na capa: “Ciências sociais são via para o desemprego”. É, também, ideia recorrente: haveria formação a mais em ciências sociais. Conclusão a que não se chega com comparações internacionais (ver quadro 2). Neste plano, as principais conclusões a retirar são o aparente excesso da formação em educação e a aparente falta de formação em engenharia, em ciência e em saúde, sobretudo tendo em conta que Portugal não conseguirá compensar eventuais défices nestas áreas por via do recrutamento de trabalho imigrante qualificado. Pelo menos ao nível dos EUA e do Reino Unido.
UNESCO Institute for Statistics.
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3. Seria então pelos dados sobre o desemprego que se poderia afinar a avaliação. E o JN tenta prová-lo, dizendo, simultaneamente, que “as ciências sociais são as que mais contribuem para o desemprego” e que são “as ciências sociais que mais licenciados formam todos os anos”. Uau!!! É como dizer que ser chinês é meio caminho andado para se ser desempregado pois há no mundo mais chineses desempregados do que portugueses, e nascem, todos os anos, no mundo, mais chineses do que portugueses. Lógica infalível.
4. É verdade que se compararmos (o que o JN não faz) os dados do desemprego de Outubro de 2006 (do IEFP) com os dados sobre os diplomados do ensino superior no ano lectivo de 2004-2005 (do OCES), se poderá concluir que a incidência do desemprego entre os titulares de um grau em ciências sociais, DIREITO ou GESTÃO é cerca de 15% superior ao peso que estes têm no conjunto dos diplomados. Medida que tem que ser feita com algumas cautelas tendo em conta que estamos a trabalhar com dados de fontes diferentes e relativos a realidades só parcialmente comparáveis (dados de stock no caso do desemprego e de fluxo no caso dos diplomados). Com estas ressalvas, a comparação entre aqueles dados permite sobretudo dizer que é muito provável que o desemprego seja claramente mais elevado do que a média entre os graduados em educação, e inferior entre os titulares de um diploma em saúde e protecção social (ver quadro 3).
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5. Precisamos de mais médicos, de mais engenheiros (apesar de existir desemprego de engenheiros) e de mais matemáticos e cientistas das áreas físico naturais. Mas não há carências nestas áreas por haver formação em excesso em ciências sociais. Em medicina há falta de médicos por haver vagas a menos, mesmo havendo candidatos “a mais”. E nas áreas científico-tecnológicas não sociais por pavor à matemática entre os alunos do ensino básico e secundário.
6. Há um claro paradoxo no desejo de uma adequação perfeita entre as “necessidades” do mercado de trabalho e os perfis da procura de formação superior. Se queremos desenvolvimento, temos que aceitar que haverá mudanças parcialmente imprevisíveis no mercado de trabalho. Não é possível prever as necessidades de um mercado de trabalho em mutação com a antecedência que levam a construir as procuras de formação. Mas é possível facilitar a adequação entre as duas variáveis com medidas como as que integram o pacote da reforma de Bolonha: formação de banda mais larga no primeiro ciclo e sequências de ciclos curtos em lugar de ciclos longos, ainda por cima precocemente especializados. Ou seja, introduzindo condições para a mudança dos objectivos de formação a meio dos percursos escolares e para regressos à universidade para requalificação e reespecialização.
7. Como há necessidade de assegurar a avaliação das instituições e dos cursos de ensino superior, com clareza e com critérios internacionais. Bem como de introduzir provas de acesso ao emprego público em lugar do critério burocrático da classificação escolar (que retira consequências à desigualdade de qualidade das instituições de ensino superior). Se, para além disso, os estudantes souberem quais os cursos e as instituições que mais empregabilidade asseguram, NO MOMENTO, óptimo. Para além disso, não em lugar de ou antes de mais.