sábado, 3 de março de 2007

Devem as minorias ter direitos?

Resposta curta: não.

1. Resposta mais desenvolvida: as minorias não devem ter direitos porque não constituem entidade moral. Mas as pessoas que se definem (e/ou são por outros definidas) como pertencendo a uma minoria devem ter todos os seus direitos protegidos de qualquer tentativa de discriminação por pertença, escolhida ou, mais frequentemente, herdada ou imputada, a essa minoria. Por outras palavras, a igualdade de direitos deve ser independente da chamada pertença de um indivíduo a uma qualquer minoria (religiosa, étnica, ...).

2. Combater a discriminação criando direitos por “minorias” é a pior das soluções para um problema real. E é uma má solução porque essencializa atributos dos indivíduos particulares em lugar de os tornar normativamente irrelevantes, como se tem vindo a conseguir com a construção da categoria “indivíduo” em termos cada vez mais abstractos. Só essa abstractização garante plenamente o princípio da igualdade social. O contrário traduzir-se-á numa lamentável e perigosa tribalização das nossas sociedades.

3. Senti necessidade de reafirmar estes princípios básicos depois de ler, através da página do ACIME, o Terceiro Relatório sobre Portugal da ECRI (Comissão contra o Racismo e a Intolerância do Conselho da Europa). De facto, os equívocos da ECRI são tais que se começa a correr o risco de ver o que começou por ser uma iniciativa louvável a passar progressivamente mais para o lado do problema do que da sua solução. Voltarei a este relatório em próximo texto. Por agora queria só salientar uma das suas primeiras recomendações: a ratificação, por Portugal, da Carta Europeia das Línguas Regionais ou Minoritárias (acessível, em português, no portal da Associação Galega da Língua).

4. Não incluindo a definição de “línguas regionais ou minoritárias” as línguas faladas pelos imigrantes, a única com aquele estatuto, em Portugal, seria o mirandês. O principal dinamizador do Sítio de I Mirandés, Amadeu Barros Ferreira, não tem dúvidas sobre tal estatuto e propõe, portanto, que essa ratificação se faça em breve e com consequências nos planos do ensino público, do pré-escolar ao universitário, no uso do mirandês nas relações com os organismos do sistema de justiça e da administração pública, na promoção pública de meios de comunicação e de programas em mirandês, na promoção do uso do mirandês nas instruções de equipamentos técnicos, ...

5. Segundo o relatório da ECRI, as autoridades portuguesas estariam a considerar a possibilidade de uma ratificação, em breve, daquela Carta. Esperemos que não — seria, no mínimo, brincar com o fogo...