Pedro e o lobo, versão 2007
Era uma vez um menino chamado André.
O menino André queria muito ser pastor. Decidiu, por isso, um belo dia, atribuir-se a tarefa de guardião da causa da esquerda. Missão: protegê-la dos ataques do lobo neoliberal. Para levar a cabo tão espinhosa missão beneficiou da ajuda de mão amiga da direita, que lhe emprestou um megafone. Assim podia o André ser ouvido sempre que quisesse alertar para as investidas do lobo.
Querendo experimentar a eficácia do seu novo megafone, gritou o André quando os ventos lhe cheiraram a lobo neoliberal, sem cuidar de verificar da realidade do ataque. E quando os amigos se precipitaram para juntar forças contra o lobo e nada viram, o André justificou-se: “podia não ser o lobo, mas se continuam os ataques aos professores universitários, com essa estranha mania de que o ensino superior é para massificar e não para seleccionar, ainda vou ser obrigado a dar aulas a dezenas de alunos por semestre”. Os que tinham vindo auxiliar na luta contra o lobo neoliberal suspiraram e voltaram para casa.
Pouco tempo depois, ouviu-se de novo o alerta do André. E, de novo também, quando os que responderam ao alerta chegaram junto dele, do lobo nem rastro. Desculpou-se o pastor, alegando que tinha estado a demonstrar o funcionamento do megafone ao seu amigo Santana. Irritados, os amigos regressaram a casa, não sem antes o avisarem dos perigos das más companhias.
Os tempos passaram, os governos mudaram.
E, um dia, o lobo neoliberal atacou.
Porém, quando o André gritou o alerta, os amigos, pensando estar perante repetição dos alarmes do passado, nada fizeram. A mão amiga da direita aproveitou a ocasião para lhe retirar o megafone. Silenciado, o André Freire foi atacado quando menos esperava, sem tempo para reagir. Pois de tanto lobo neoliberal imaginado no passado, ficou sem critério para reconhecer um real quando este lhe apareceu pela frente.