quinta-feira, 27 de março de 2008

Regressão histórica


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Fonte: Thomas Piketty (2005), “Top income shares in the long run: an overview”, Journal of the European Economic Association, 3-4 (3), pp. 1-11.


1. Na história recente do capitalismo havia um traço marcante: a redução das desigualdades sociais nos países desenvolvidos ao longo de boa parte do século XX. Como é claramente ilustrado no estudo de Thomas Piketty de onde foi retirado o gráfico, esta tendência começou no entanto a inverter-se nos EUA no final da década de 1970, acentuando-se aí o crescimento da desigualdade na distribuição do rendimento a partir de 1985: se em 1928 os 1% mais ricos dos EUA detinham 20% do rendimento total, essa percentagem caiu para menos de 8% no final da década de 1960, atingindo porém 16% em 1998.

2. No gráfico em que essa evolução está assinalada, o caso dos EUA contrasta com o da França, o que poderia sugerir ser esta mais uma manifestação das diferenças entre o capitalismo liberal à americana e o capitalismo social europeu. A interpretação, porém, não tem bases sólidas. Em primeiro lugar, se a singularidade fosse americana, por que razão teria havido durante a maior parte do século paralelismo entre EUA e França? Em segundo lugar, outros estudos, como o de Camille Landais, revelam que também em França se assiste à mesma regressão, embora mais tardia (a partir de 1998).

3. Que a tendência é mais geral, pode ainda ser confirmado por outro trabalho de Piketty (com Abhijit Banerjee), no qual é clara a simultaneidade da inversão na tendência para a descida da desigualdade dos rendimentos nos EUA, Reino Unido e… Índia. Chegados a este ponto, a resposta mais fácil, mas errada, consistiria em “culpar” a globalização. Voltarei a esta (falsa) questão.

[Para estas e outras questões sobre o recrudescimento das desigualdades ver ainda os artigos sobre “Le retour des riches” no número 191 (de Março de 2008) da revista Sciences Humaines.]