O distanciamento em relação à política
1. Segundo uma sondagem abundantemente citada pelo Presidente da República, no seu discurso do 25 de Abril, metade dos jovens entre os 15 e os 19 anos e cerca de dois terços dos jovens entre os 18 e os 29 anos conseguiram responder correctamente a, pelo menos, uma de três questões sobre política contemporânea. Ou, para utilizar a expressão do PR, entre metade e um terço não soube responder a qualquer dessas três perguntas. É o velho problema do copo meio vazio ou meio cheio…
2. Já li e ouvi que isto significava um maior desconhecimento da política e do país pelos jovens, devido, segundo alguns, como Paulo Portas, ao mau sistema (abrilista?) de ensino nacional. Há, no entanto, um problema com esta interpretação: qual era, no passado de 10, 20 e 30 anos, o grau de desconhecimento equivalente entre os jovens portugueses? Suspeito que, descontado o efeito de conjuntura do próprio 25 de Abril, maior do que o actual. Mas apenas suspeito, porque, na realidade, é-me impossível responder à pergunta.
3. Centremo-nos agora no essencial: o eventual distanciamento dos cidadãos e dos jovens em relação à política. Na imprensa, a culpa é sobretudo dos partidos. E, de facto, parte da culpa é mesmo dos partidos. Falando apenas daquele que conheço hoje por dever de militância, o PS, não é difícil de perceber que é difícil a mobilização para a política quando, por exemplo, toda a organização partidária está baseada em critérios locais e o localismo é, cada vez menos, uma orientação da acção relevante em meios urbanos. Como é difícil a participação quando a vida das estruturas partidárias se organiza hoje sazonalmente em função dos ciclos eleitorais.
4. Mas há mais vida para além dos partidos, sendo que nessa vida estão muitas mais razões do distanciamento dos cidadãos em relação à política. De entre essas saliento uma das mais importantes, mais ainda do que as que se podem atribuir aos partidos: a construção de uma imagem negativa da acção política, pintada como encharcada pela corrupção e pelo simples jogo dos interesses particulares. Três protagonismos principais têm contribuído para a construção e disseminação dessa imagem.
Em primeiro lugar, as intervenções justicialistas (como as de Maria José Morgado), que lançam um manto de suspeição generalizada sobre tudo e todos; depois, os moralismos proclamados pelos políticos que (como Louça) disparam sobre os próprios pés dia sim, dia não; finalmente, mas fundamentalmente, os média, que se agarram com unhas e dentes a qualquer suspeita convencidos (e provavelmente com “razão”) que bater nos políticos dá audiências.
5. Note-se que são os critérios selectivos dos média que permitem que as proclamações de justicialistas e moralistas tenham a audiência que têm. Em parte, por partilha dos pressupostos daquelas proclamações; em parte porque vingou nos média a tese de que só as más notícias são relevantes na guerra das audiências, assim se construindo sobre o mundo uma imagem apenas, e exageradamente, negativa.
E depois, por milagre, espera-se que alguém se interesse por participar no que começou por ser definido, de modo repetido, como conspurcado. Não é politicamente correcto dizê-lo, mas é necessário: por este caminho, os média estão em vias de se converter em inimigos mortais da democracia.