Pobres de espírito…
De volta ao comentário canhoto de modo continuado.
E o tema do comentário do regresso é tipicamente canhoto: a desigualdade, desta vez a propósito de algumas das reacções ao Magalhães. Mais rigorosamente, às reacções críticas à distribuição tendencialmente gratuita do Magalhães nas escolas do primeiro ciclo.
1. A mais popular dessas reacções críticas, a que não foram sequer imunes os Gatos…, salienta o risco de as crianças virem a usar os computadores agora recebidos para acederem a sítios pornográficos… “as gatas”. Note-se que a preocupação é selectiva. Não ouço ninguém defender ser necessário impedir o acesso das crianças aos computadores que muitos pais têm já em casa (intolerável intromissão na esfera privada, ouvir-se-ia logo proclamar!). O problema parece pois afectar só, ou sobretudo, os que agora passam a aceder à rede em condições semelhantes aos dos que têm famílias com recursos para adquirir computador independentemente do Estado.
2. Mais sofisticado, Pacheco Pereira argumenta não estar provado que seja bom para a aprendizagem das crianças o uso tão precoce do computador. Será verdade, mas também que eu saiba não está provado o contrário. E, uma vez mais, o facto é que há já crianças que podem usar o computador nas suas aprendizagens, quando os pais os puderam adquirir. Se, amanhã, viermos a descobrir terem tido estas crianças vantagens decisivas sobre as segundas por causa do acesso que puderam ter a recursos computacionais, diremos o quê aos que, por temor conservador, não foram por políticas públicas colocados em condição de igualdade aos mais afortunados pelo nascimento?
3. Em rigor, alguns dos medos de Pacheco Pereira são semelhantes aos dos “moralistas das gatas”: é como se as crianças que agora recebem do Estado o acesso aos computadores que não puderam receber das famílias estivessem em posição de grave desprotecção que merecesse, de elites responsáveis, mais atenção paternalista do que a que foi considerada necessária quando o acesso aos computadores era bem mais restrito.
4. De pobres a pobres de espírito vai-se num pequeno passo, esquecendo-se tudo o que se sabe sobre os efeitos de legitimação da desigualdade que tal associação permitiu ao longo da história.