segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Um espectro ameaça o mercado…

1. Num notável exercício de delírio argumentativo, António Borges conclui pela dispensabilidade de mais regulação dos mercados, em geral, e dos mercados financeiros, em especial, em artigo de opinião publicado no Expresso do último sábado (11 de Outubro, páginas 22 e 23 do caderno de Economia). Provavelmente menos conhecedor destas coisas, o director-geral do FMI, Dominique Strauss-Kahn, declarou que para a crise contribuíram falhas de regulação e que a lição a dela retirar “é que para fazer o mercado funcionar temos de ter mais Estado e mais poder público e, a nível internacional, mais instituições internacionais”.

2. Uma das mais curiosas afirmações de António Borges é sobre a complexidade crescente de alguns produtos financeiros: “É absolutamente verdade que muitos produtos financeiros são tão complexos que só os grandes especialistas os compreendem. Mesmo os reguladores estão com frequência muito atrás da inovação no sector financeiro e não percebem o que se passa. O problema é que, sem inovação e sem sofisticação crescente dos produtos, o sector não pode responder às necessidades de uma economia cada vez mais complexa e incerta. O regresso a produtos simples e compreensíveis implicaria um retrocesso gigantesco na capacidade de gestão do risco”.

3. Ou seja, António Borges quer salvar a opacidade financeira à custa do mercado, o que não está mal para quem começa por enaltecer as virtudes do mesmo por contraponto aos perigos da regulação. É que, se bem me lembro, um dos argumentos mais recorrentes dos discípulos de Hayek em favor de um mínimo de Estado no mercado radica na ideia de que há sempre mais e melhor informação para decidir quando esta está dispersa por múltiplos decisores económicos do que quando está concentrada nas mãos de “um punhado de especialistas bem escolhidos”. A grande diferença entre o objecto da crítica de Hayek e António Borges está apenas no tipo de especialistas: especialistas públicos em planeamento versus especialistas privados em gestão financeira.

4. Em resumo, a opacidade financeira é a arma do novo poder financeiro contra o mercado. O interessante é que António Borges tenta legitimar aquele poder com o argumento da inevitabilidade do desenvolvimento das finanças eliminando, de uma penada, as possibilidades de escolhas alternativas: como as que passam pela maior simplificação e transparência de produtos financeiros mais especializados e, por isso, simultaneamente mais acessíveis aos decisores económicos comuns e mais reguláveis (que não é o mesmo que planeados) pelos poderes públicos. Deixando que os incrementos de complexidade se manifestem mais no plano de conjunto diversificado de produtos financeiros do que no plano individual de cada um deles.

5. Ameaçado de morte pelo espectro da finança, o mercado ainda vai acabar por ficar a dever a sua salvação à esquerda regulacionista.