Da “superioridade moral dos comunistas”
Segundo Francisco Louçã, em perfeito estilo tele-evangelista, “a ganância é o nome próprio do capitalismo”.
1. O capitalismo não é nem entidade humana, com qualidades e defeitos, nem sistema moral, mas sistema socioeconómico. Na realidade, o capitalismo é compatível com diferentes sistemas morais e com diferentes graus de moralidade (ou amoralidade), como é compatível com diferentes sistemas políticos e, portanto, com diferentes modos de regulação social. A visão holista da modernidade como capitalismo, para além de intelectualmente deficiente, contribui para a demissão política no campo em que é possível fazer a diferença: o da reforma das instituições da modernidade, incluindo do capitalismo. E, já agora, enquanto sistema de organização socioeconómica, o capitalismo é ainda a melhor das alternativas historicamente testadas.
2. O discurso moral contra o capitalismo com base no qualificativo de “ganância” remete para memórias pouco progressistas. Remete, em primeiro lugar, para a memória profundamente anti-moderna dos tempos em que o enriquecimento pelo trabalho no comércio ou nas “indústrias” era considerado fruto da “ganância”, enquanto o enriquecimento pelo saque e pela pilhagem era louvado como nobre. Remete, em segundo lugar, para a memória das derivas totalitárias que mancharam o século XX, lembrando em particular os discursos de Hitler contra a ganância dos capitalistas, em geral, e a ganância dos “financeiros judeus”, em especial. Louçã bem que poderia ter escolhido outras palavras, menos conotadas com os demónios do século XX, para a sua cruzada moralista.
3. Para terminar. A transformação da crítica política em crítica moral não faz apenas estas tangentes ao totalitarismo. Em rigor, o discurso moral contra o capitalismo escancara as portas ao totalitarismo, legitimando a monopolização do poder político por um pequeno núcleo de guardiães da moral.