quinta-feira, 7 de maio de 2009

Começa o jogo perigoso

1. Como já referi quer no Outubro quer no Canhoto, uma dos maiores perigos políticos associados à crise é o dos fechamentos nacionalistas. De entre estes fechamentos, a xenofobia é particularmente grave (o outro é o proteccionismo), criando um clima de tensão social que poderá pôr em causa a coesão nacional.

2. Segundo o novo jornal I, que começa mal com o destaque que dá, na capa, ao tema da ameaça migratória, que prolonga aliás com uma votação on-line sobre os efeitos da imigração no desemprego, “o governo prepara-se para limitar drasticamente a entrada de imigrantes, com o acordo de patrões e da UGT”. No Público, ficamos a saber que “Portas [está] satisfeito com anúncio de redução da quota de entrada de imigrantes no país.”

3. Que João Proença branda a ameaça do desemprego para justificar a redução da imigração só surpreenderá quem tiver esquecido a longa tradição xenófoba do movimento sindical, na Europa como nos EUA. Que a direita faça o mesmo apenas mostra como interesses corporativos e ideologias conservadoras são tão facilmente compatíveis entre si quando o tema é a nação.

4. Que o Governo legitime a ligação entre desemprego e imigração é lamentável. Sobretudo porque quem governa sabe bem que as limitações administrativas à entrada de imigrantes estrangeiros funcionam mal, transformando imigração legal em ilegal mais do que contendo realmente os fluxos de entrada. Como sabe também, ou devia saber, que não sendo as pessoas parvas a existência de desemprego generalizado afasta imigrantes. Ou seja, que o desemprego é um regulador da imigração mais eficaz do que qualquer política de “quotas”. No fim, a imigração diminuirá independentemente das medidas do Governo, o que até fará parecer eficaz as medidas agora anunciadas.

5. Fica a legitimação discursiva da representação da imigração como ameaça, com o risco de libertação dos demónios da xenofobia que habitam no nosso seio, criando uma dinâmica perigosa porque incontrolável. Aqui como noutros países europeus ou asiáticos, como noticia a Organização Internacional das Migrações, as restrições à mobilidade humana enquanto resposta à crise podem transformar-se num novo problema mais do que numa solução para a crise. Citando: “Just as protectionism in trade needs to be avoided, so should protectionism in human mobility be resisted, as migrants and migration – and indeed human mobility – may be part of the solution, not the problem.”

6. Por fim, refira-se que o que está em causa não é a migração em abstracto mas a imigração dos mais pobres. Ao mesmo tempo que aprova, e mal, restrições às entradas de trabalhadores migrantes, o Governo aprova, e bem, um novo Estatuto da Carreira Docente Universitária que, entre outros objectivos, promove a internacionalização dos corpos docentes das universidades nacionais. Talvez não tendo consciência de que o fechamento para os mais pobres poderá, a prazo, alimentar uma reacção xenófoba generalizada que porá em causa a abertura aos mais qualificados. Quem brinca com o fogo…

Também publicado no Outubro.