sábado, 25 de março de 2006

Silvio, o louco


Il Caimano, o novo filme de Nanni Moretti, estreou anteontem, em plena campanha eleitoral e rapidamente se tornou o acontecimento político dos últimos dias em Itália. Não é um filme manifesto, à imagem dos de Michael Moore. Longe disso. Mas é um filme sobre Berlusconi, Il Caimano (o crocodilo). No entanto, mais do que um ataque político, mais do que a demonização (muitas das vezes contraproducente) do inenarrável Berlusconi, trata-se de uma tentativa de lançar um olhar sobre o personagem. Não é fácil. Afinal, a grande diferença entre Berlusconi e outros tiranetes é a irracionalidade, a imprevisibilidade e a inconstância. Berlusconi não é o fascista (como com facilidade vem muitas das vezes apelidado), nem é apenas o omnipresente magnata da televisão, nem sequer o multimilionário que construiu um império com métodos no mínimo suspeitos (dove vengano tutti questi soldi? pergunta-se no filme, logo depois de numa cena bem morettiana, Il Caimano ver desabar-lhe o tecto em cima, com o peso de uma mala cheia de liras).
Berlusconi criou um personagem, vestiu-lhe a pele e é esse personagem o aspecto mais nefasto da política italiana. É o homem (e o político) das piadolas, dos dislates, que combate sozinho um mundo que, por boas razões, o persegue. E é na tentativa de descrever Berlusconi, nos seus tiques, nas suas idiossincracias que o filme é mais conseguido.
O filme que são três: o do produtor (um fantástico Silvio Orlando, que faz de Moretti todo o tempo) que tenta com pouco sucesso fazer um filme sobre o Caimano; o do produtor que sem razão aparente vê a sua vida desmoronar-se e o filme propriamente dito sobre o Caimano.
O que fica é a incapacidade assumida de compreender totalmente Berlusca, de o reproduzir. Há três actores que fazem de Berlusconi (o último deles o próprio Moretti), mas é um quarto que se revela o mais fantástico, o mais teatral e mais histriónico (e mais histriónico do que Moretti não é fácil): o próprio Berlusconi, quando em pleno parlamento europeu, num momento conhecido, perante um olhar manifestamente desconfortável do pós-fascista Fini (que diz muito sobre o que se passará daqui a 15 dias, no pós-derrota), insulta Martin Schultz.
No fim do filme, Berlusconi é finalmente condenado – pelos "juízes vermelhos", claro -, mas a população revolta-se e sai em sua defesa. Um olhar pessimista e trágico sobre Itália. Um olhar que tenta perceber como é que foi possível que tudo isto tenha acontecido e que não poupa ninguém. Não poupa Berlusconi, mas, também, ironiza sempre sobre esta esquerda que cometeu quase todos os erros que podia ter cometido.
Como é que é possível que este país tenha tido um louco – ou, no que para o caso é o mesmo, alguém que se faz de louco – como primeiro-ministro? Essa é a pergunta fundamental. Uma pergunta cuja resposta está para além da clivagem esquerda/direita, para além do controlo da comunicação social, da corrupção ou do populismo.