sexta-feira, 9 de junho de 2006

Sobre o voto obrigatório

Para que fique claro. Se há assunto sobre o qual não tenho grandes certezas, este é um deles. Porém, não me parece que se possa pôr de lado com tanta facilidade como a que se manifestou em alguns dos comentários ao meu texto anterior, a hipótese da obrigatoriedade do voto.

1. Como não me parece também que seja de recusar aquela hipótese com os argumentos usados por Daniel Oliveira. Entendo as suas preocupações, mas discordo da bondade do seu argumento fundamental: “o voto obrigatório promove a irresponsabilidade em vez de a contrariar”. Em primeiro lugar, porque corre o risco de ser lido como argumento elitista ou vanguardista do tipo “é conveniente que nas escolhas democráticas participe apenas quem for responsável”. Em segundo lugar, porque, corre o risco de resultar em conclusões de tipo censitário, pois a abstenção não se distribui em moldes homogéneos pelo conjunto da população: estando concentrada em alguns sectores, nomeadamente entre as novas gerações, em Portugal como no Reino Unido, o resultado seria definir, ou pelo menos representar, sectores específicos da população como sectores irresponsáveis (como no passado o foram analfabetos e outros). E, finalmente, porque a abstenção tem múltiplas causas, não havendo algo como o “abstencionista-padrão”. E quando se diz que tem várias causas diz-se, também, que há muitos comportamentos diferentes que desembocam na abstenção. Reduzir o comportamento abstencionista à irresponsabilidade não me parece pois recomendável tanto por razões políticas (as duas anteriores) como por razões analíticas (é fraco como explicação).

2. Se há diversas causas para a abstenção, é perigosa a tentação de redesenhar todo o sistema político para incrementar a participação eleitoral, pois as medidas que tiverem efeito positivo sobre um dado comportamento abstencionista poderão ter efeito negativo sobre outro tipo de comportamento também abstencionista. É por isso que há muito me atrai a solução asimoviana de O Fim da Eternidade: a MMN para a MRD, ou seja, a Mínima Mudança Necessária (MMN) para a Máxima Resposta Desejada (MRD). O voto obrigatório é, claramente, uma MMN.

3. A não ser que o voto obrigatório colida com algum direito fundamental. Mas não me parece (embora hesite). Segundo a Constituição, “o exercício do direito de sufrágio é pessoal e constitui um dever cívico”; na lei eleitoral em vigor para a Assembleia da República, “o sufrágio constitui um direito e um dever cívico”. Se votar é um dever (para além de um direito) não sei (mas não sou jurista) como pode o seu contrário (não votar) ser um direito (mesmo que seja comportamento legal ou legítimo). Como não sei se não faz mais sentido ancorar a nossa pertença comum a um mesmo espaço político a compromissos republicanos em torno dos direitos e deveres cívicos do que a “identidades assassinas” suportadas por narrativas históricas exclusivistas. Ou melhor, não sei mas tenho preferências. No fim continuo a hesitar. Mas sou incapaz de eliminar liminarmente a hipótese do voto obrigatório. E confesso mesmo uma certa atracção pela solução.