terça-feira, 28 de outubro de 2008

Repensar a esquerda, via nova

Mário Soares e Manuel Alegre coincidem hoje, em artigos de opinião no DN, quanto à necessidade de reencontrar a esquerda.

Mário Soares escreve: "Repensar a esquerda. Eis a que nos conduz o espírito do tempo, se queremos vencer a crise e substituir o sistema. (...) O socialismo democrático, que trouxe à Europa a paz - e os "30 gloriosos" anos de crescimento económico, em liberdade e bem-estar para todos -, foi de algum modo "colonizado" pelo neoliberalismo. Está hoje sem rumo e sem lideranças. É por isso que precisa de ser repensado - e está a sê-lo, por toda a esquerda europeia, social, sindical e partidária. Poderá ser uma luz ao fundo do túnel, para as nossas angústias, se houver diálogo, espírito de tolerância e de bom senso, entre todas as correntes que se reclamam da esquerda, moderada e radical."

Manuel Alegre revisita as suas Moções aos Congressos do PS de 1999 e 2004 à luz da actual crise. Reflecte e propõe: "Hoje até Alan Greenspan reconheceu que errou ao confiar que o mercado pode regular-se a si próprio. (...) Sabe-se que nada ficará como dantes. Mas em que sentido se fará a mudança? Era aí que a esquerda deveria ter um papel. Mas onde está ela? Talvez algo de novo possa surgir de uma vitória de Obama. Pelo menos um sopro de renovação. Mas há um grande défice de esquerda na Europa. Uma nova esquerda só poderá nascer de várias rupturas das diferentes esquerdas consigo mesmas. Ruptura com as práticas gestionárias e cúmplices do pensamento único. Ruptura com a cultura do poder pelo poder e com o seu contrário, a cultura da margem pela margem, da contra-sociedade e do contrapoder. Processo difícil, complicado, mas sem o qual não será possível construir novas convergências. Não para a mirífica repetição da revolução russa de 1917, nem para um modelo utópico global. Tão-pouco para segundas ou terceiras vias. Mas para uma via nova, que restitua à esquerda a sua função de força transformadora da sociedade e criadora de soluções políticas alternativas."

Alegre e Soares, nas suas convergências de longo termo como nas divergências recentes, são políticos que ousaram sempre dizer o que pensam sem temor de represálias ou censuras. O que, por coincidência, escrevem no mesmo dia e no mesmo jornal abre caminhos para a renovação da esquerda em Portugal e desafia as esquerdas que se queiram portadoras de futuro. Se Mário Soares pede à esquerda que se repense, Manuel Alegre vai mais longe no apelo à ruptura das diferentes esquerdas consigo mesmas.

É de novo tempo de buscar respostas no pensamento divergente. Haverá capacidade para ouvir o apelo à construção de novas convergências à esquerda? Haverá coragem para romper com o imobilismo? Haverá suficiente espírito aberto para procurar convergências em função das novas realidades em vez de proclamar esterilmente a excelência de velhas convicções? Se houver, pode haver vida nova para a esquerda em Portugal.