sexta-feira, 24 de junho de 2005

As greves dos professores na sociedade livre e activa

É bem verdade que “faz parte da força de uma sociedade livre e activa […] ter greves” e que “[…]não há greves eficazes sem dor, sem prejuízo, sem vítimas”.
Acrescentaria mesmo que qualquer restrição ao direito à greve é sempre uma restrição à liberdade sindical, sendo que esta constitui um dos traços identitários dos regimes democráticos. Sou, por isso, um adepto da fórmula constitucional segundo a qual “compete aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender pela greve […]”. Daí que, a meu ver, não seja aceitável que os empregadores e o Estado façam depender o exercício do direito à greve do juízo que tenham sobre a razoabilidade das reivindicações dos trabalhadores ou das motivações que levaram os sindicatos à greve.
Por consequência, se não erro, no caso do ensino, público ou privado, o direito à greve deve ser, em princípio, um direito irrestrito. Também na altura dos pontos? Julgo que sim. Também na altura dos exames nacionais do 9º e 12º anos? Julgo que não.
Nesses dias, e só nesses, existem apenas duas alternativas: ou o “deixar andar”, sacrificando à possível eficiência da greve o direito dos alunos a fazerem os seus exames; ou, pela determinação dos serviços mínimos, assumir a responsabilidade de promover a conciliação entre dois direitos, o dos professores fazerem a greve e o dos alunos realizarem os exames em condições razoáveis.
Nesse caso – em que há colisão entre dois direitos, ambos legítimos – justifica-se que o Governo assuma a responsabilidade de restringir, pelos serviços mínimos, o direito à greve.
Os serviços decididos pelo Governo não foram mínimos, mas máximos?
Julgo que a leitura do despacho conjunto que os determinou ajuda a esclarecer a questão e permite passar dos debates abstractos à discussão fundamentada. É que convinha saber, se se critica a decisão porque se entende que ela seria ilegítima, ou porque se entende que os governantes foram longe demais. É que, se no primeiro caso a consequência da opinião é clara - o Governo deveria ter deixado os alunos e os exames à mercê dos grevistas - quem entende que o Governo, tendo o dever de agir, poderia ter agido de outro modo, deveria explicar onde está o excesso na fixação dos serviços mínimos.
E, já agora, não é nada inútil ler e comparar as sentenças proferidas pelos juízes do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada e de Lisboa.
É que a comparação é, mesmo à luz do fim da tarde, tão luminosa como a luz do amanhecer…

Citações de José Pacheco Pereira em “Lembrança a tempo por causa do tempo”, Abrupto (23/06/2005).