sexta-feira, 24 de junho de 2005

A herança


Jack Kilby Posted by Hello

Foi hoje notícia a morte de Jack Kilby, o inventor do circuito integrado, prémio Nobel da Física em 2000.
A invenção do circuito integrado constituiu um dos grandes contributos para o desenvolvimento do uso generalizado das novas tecnologias de informação, dando origem a novos fenómenos sociais frequentemente designados, com alguma ligeireza, por “sociedade de informação”. De facto, a invenção dos computadores e da computação só se traduziu em mudanças sociotécnicas profundas e generalizadas quando se reuniram três mudanças técnicas básicas: a miniaturização das tecnologias de processamento de informação, a desprofissionalização do uso dos recursos informáticos e a articulação entre computadores e comunicações. Em conjunto, estas três mudanças permitiram multiplicar o uso das novas tecnologias da informação, massificando, banalizando e articulando esse uso. E são os usos das tecnologias, não as tecnologias em si, que têm consequências sociais.
A miniaturização da electrónica, que daria os primeiros passos com a invenção do transístor, mas que se radicalizaria decisivamente com a invenção do circuito integrado, antecedeu as outras duas e foi condição necessária à sua posterior concretização. Quando um computador com uma capacidade de cálculo ridícula para os parâmetros actuais ocupava o espaço de uma sala, a possibilidade de generalizar o uso das tecnologias computacionais nos mais variados domínios da actividade humana não era utopia: era uma impossibilidade material prática.
A miniaturização tornou possível dispor de processadores de informação suficientemente pequenos, ligeiros e baratos para poderem ser usados em computadores pessoais mas também em automóveis, aviões ou máquinas domésticas diversas. Mas não foi condição suficiente. Quando o recurso a estas novas tecnologias não era automático (como nos sistemas de antiblocagem na travagem automóvel), a sua generalização dependeu ainda da possibilidade de serem usadas por qualquer pessoa, e não apenas pelos detentores de competências profissionais específicas (os informáticos).
A desprofissionalização do uso das tecnologias da informação, com a separação entre a produção de hardware e a de software, com o desenvolvimento da usabilidade e da estandardização do software, foi, portanto, a segunda revolução da microelectrónica. Não teria, contudo, sido possível ou procurada, técnica ou economicamente, sem a prévia miniaturização. Como não teria sido possível, também, sem a miniaturização, generalizar a construção e o uso das redes que hoje se banalizaram no nosso quotidiano (e onde esta intervenção é feita).
Hoje fomos confrontados com a morte de alguém cujos actos, embora discretos, não só marcaram o nosso tempo como marcarão o nosso futuro próximo. Num país em que pouco se preza o conhecimento e os seus produtores, esta é uma notícia que tenderá para o esquecimento.
Aqui fica, portanto, a minha homenagem. Usando a herança que nos deixou, herança que, neste caso, aumenta em lugar de coarctar a nossa capacidade para agir.

Para uma introdução a uma sociologia das novas tecnologias da informação, e apesar de ter já alguns anos e de ser menos mediatizado que os contributos de Castells, continuo a preferir, de David Lyon, The Information Society. Issues and Illusions, 1988 (a tradução portuguesa está há muito esgotada). A primeira chamada de atenção séria para as potencialidades de mudança social suportadas pela miniaturização da electrónica foi feita por Zbigniew Brzezinski com base no conceito, já clássico mas pouco conhecido e ainda menos citado, de “sociedade tecnotrónica”, nomeadamente em Between Two Ages. America's Role in the Technetronic Era, Nova Iorque, Viking Press, 1970.