segunda-feira, 6 de junho de 2005

Bolonha: qualificação e democratização versus conservadorismo e fechamento

Aproxima-se o momento das decisões sobre Bolonha nas universidades portuguesas. Resolvido o problema do financiamento que contaminava o debate sobre as alternativas de reorganização do ensino superior nacional, acabaram-se os pretextos para manter tudo como dantes. Porém, começa hoje a desenhar-se uma tendência para ligar o complicador e argumentar que é necessário discutir problemas mais importantes do que aqueles que se prendem com as escolhas básicas, como é o caso das que se referem ao número de anos lectivos de cada grau.
Não é verdade que esta questão seja secundária. Bolonha permitirá, em Portugal, acabar com um longo primeiro ciclo de formação superior, ou não permitirá nada.
O encadeamento de ciclos curtos de formação tem, sobre a existência de um primeiro ciclo longo, claras vantagens, permitindo, nomeadamente:
• contrariar o elevado desperdício por desistência ao fim de 2/3 anos, sem qualquer credenciação, que hoje atinge mais de 40% dos alunos que se inscrevem no 1.º grau;
• facilitar a continuidade de estudos, sem interrupção, para níveis pós-graduados de formação;
• facilitar a mudança de projecto a meio do percurso escolar no superior ;
• e, por fim, facilitar a circulação, por etapas, entre formação e trabalho e, portanto, a formação ao longo da vida.
Em síntese, Bolonha é uma oportunidade única para democratizar, massificando-a, a frequência com sucesso do ensino superior, para optimizar a utilização dos recursos públicos e para incrementar a qualificação média da população portuguesa, tanto da população em idade escolar como daquela em idade activa. Recusar esta oportunidade seria uma demonstração cabal do triunfo do conservadorismo nas instituições universitárias.
Um segundo conjunto de mudanças pouco faladas são as que se prendem com o encurtamento do tempo de realização do doutoramento e a sua articulação com a actividade institucionalizada de investigação. Trata-se, contudo, de mudanças indispensáveis para que os doutoramentos passem a ser, de vez, uma formação para a investigação de suporte à entrada numa carreira científica e não, como ainda acontece em parte, uma reminiscência da obra-prima de acesso aos lugares cimeiros da corporação medieval.
Herança corporativa que é difícil de eliminar, tendendo a reaparecer pela porta do cavalo em moldes actualizados. Veja-se a sistemática preferência das ordens e associações profissionais por ciclos de formação superior longos, com conhecidos efeitos de fechamento sobre o acesso à prática profissional.
É tempo de o Estado construir um ordenamento jurídico mínimo sobre os poderes que transfere para as ordens, eliminando a delegação nestas de competências que não tenham a ver com a auto-regulação do poder profissional. Em particular, não é legítimo manter o actual poder de credenciação de cursos de que dispõem algumas ordens.