domingo, 26 de junho de 2005

Estudar compensa

“Estudar ajuda, e muito!” foi o título de um texto meu no Canhoto. Vasco Pulido Valente (V.P.V.) defende tese contrária na sua coluna do Público (26/06/2005). Aí se afirma que se há abandono escolar e menor investimento das famílias na educação escolar, é porque o desemprego de licenciados, e até mesmo de mestres e doutores, é elevado, não compensando estudar. Com esta mania de V.P.V. de que basta conhecer a história portuguesa para se pronunciar sobre o Portugal de hoje, legitima-se a ignorância e dá-se rédea solta ao disparate e à irresponsabilidade — a não ser que V.P.V., depois de doutorado, queira reservar para si as vantagens da posição obtida. Acontece, chama-se “fechamento social” e foi há muito estudado na sociologia. (1)
1. Em primeiro lugar, a ignorância. Em alternativa aos achismos de V.P.V. aconselha-se a leitura da entrevista de Natália Alves inserida no Guia do Estudante publicado pelo Expresso este fim-de-semana (25/06/2005). Nessa entrevista, são-nos fornecidas não opiniões mas dados sobre o emprego de licenciados. Assim, ficamos a saber, nomeadamente, que o emprego de licenciados é quase total logo ao fim do primeiro ano e que o desemprego de licenciados, em média, não ultrapassa os seis meses. Donde, a primeira conclusão importante (de Natália Alves): “o diploma do ensino superior continua a ser a melhor forma de resistir ao desemprego”. Ficamos também a saber que apenas menos de 10% dos licenciados trabalham em áreas de actividade totalmente diferentes daquelas em que se formaram e que uma boa média (igual ou superior a 16) é a melhor garantia para obtenção de um bom emprego: “a classificação final é mais importante [para arranjar um bom emprego] do que o sexo do candidato ou a sua origem social”. Donde, à pergunta “Significa então que o empenho nos estudos é recompensado?”, Natália Alves responde, baseada nos dados dos inquéritos que conduz e analisa: “Absolutamente. Quem tem melhores notas obtém emprego mais facilmente e ganha salários mais elevados.” Baseado em nada, V.P.V. acha o contrário: “As crianças sabem por irmãos, por primos, por amigos, que o esforço e a disciplina de estudar não as leva longe”. Santa irresponsabilidade!
2. O único argumento factual usado por V.P.V. é o dos 30 mil candidatos que não teriam ficado colocados, nesta fase, no concurso de professores. Ora, o que V.P.V. devia ter concluído deste dado era que haveria, provavelmente, um excesso de oferta na formação de professores. O que permitiria iniciar um interessante e importante debate sobre a necessidade de repensar os moldes da formação de professores, por um lado, e, em termos mais gerais, sobre o formato mais adequado das formações superiores de base (banda larga versus especialização profissional precoce) e da sua duração e articulação com a formação pós-graduada tendo em conta a necessidade crescente de formação ao longo da vida, com retornos regulares à escola. Ou seja, boa parte do que está em debate a propósito das “reformas de Bolonha”. Minudências práticas que V.P.V. afastará desdenhosamente com uma das suas frases preferidas: “Vai falhar!”. Marretas…
3. Um comentário final sobre algum desemprego, ou subemprego, de doutorados. É verdade que a impossibilidade de renovar o corpo docente e de investigadores no superior com base na avaliação da produção científica dos doutorados tem permitido a sobrevivência de alguns pesos mortos, à custa do fechamento da entrada de jovens doutores na carreira científica…

(1) O texto clássico sobre processos e estratégias de fechamento social é o de Frank Parkin, Marxism and Class Theory. A Bourgeois Critique, Londres, Tavistock, 1979. A ler caso se queira perceber melhor muita da actuação de ordens profissionais e de corporações congéneres. Ou de V.P.V. e congéneres…