Preconceito
Um comentário ao texto “Na praia de Carcavelos”:
“São pretos. Não há nada a fazer. Os ciganos, de quem tanta gente se queixa não fazem disto… Resolvem os seus problemas entre eles…” [rjb]
Comentário ao comentário: é racista, mas talvez algo se possa ainda fazer! Precisamos de acreditar no poder da argumentação racional. Expliquemo-nos, portanto.
Baseia-se o racismo no pressuposto de que há raças, isto é, de que há espécies de humanos que se distinguem por características biológicas, as mais das vezes expressas por diferenças na cor da pele, que têm consequências culturais. O raciocínio é surpreendente, como salienta um dos grandes sociólogos de sempre, Norbert Elias: “É comum argumentar-se, em regra, que percepcionamos os outros como pertencendo a outros grupos porque a cor da sua pele é diferente. Seria mais preciso se nos perguntássemos como foi possível que, neste mundo, se criasse o hábito de percepcionar pessoas com outra cor da pele como pertencendo a outro grupo.” (1)
De acordo com o que hoje se sabe no domínio da biologia e da genética, a tese das diferenças raciais não tem qualquer prova a seu favor. O que não surpreende. A ideia da classificação racial não tem origem na procura de qualquer explicação para eventuais diferenças culturais, mas no racismo, isto é, na afirmação da suposta inferioridade NATURAL de quem tem diferentes características físicas. Ou seja, há raças porque há racismo, assim se criando “o hábito de percepcionar pessoas com outra cor da pele como pertencendo a outro grupo”.
Dizer que “os pretos” (ou “os brancos”) são isto ou aquilo é dizer uma frase sem sentido, ou com um sentido racista. O nível de qualidade do argumento não é diferente do das anedotas sobre “as louras”. Há pessoas delinquentes de todas as cores e há pessoas decentes de todas as cores. Apenas poderá ser útil identificar os assaltantes da praia de Carcavelos em termos racializados caso se suspeite que o racismo, e não a raça, é parte da explicação da origem (ainda que remota) daquele comportamento delinquente de grupo.
Já agora, e para terminar, é ainda racista, e com laivos de apartheid, o pressuposto do comentário citado de que bom mesmo seria que cada grupo delimitado com critérios racistas, ou equivalentes, se fechasse sobre si próprio, resolvendo “os seus problemas entre eles”. É racista e é, portanto, parte do problema, não da sua solução.
(1) Norbert Elias, “Introduction: a theoretical essay on established and outsider relations” (p. XLVII), em Norbert Elias e John L. Scotson, The Established and the Outsiders. A Sociological Enquiry into Community Problems, Londres, Sage, pp. XV-LII, 1994 (ed. original: 1976). O pequeno texto de Elias, que serve de introdução a esta reedição do livro escrito com Scotson, é fundamental para perceber as raízes e dinâmicas do preconceito, da estigmatização e da discriminação.
http://www.norberteliasfoundation.nl/