Coerência argumentativa precisa-se
Tinha prometido a mim próprio uma pausa no tratamento da questão da nacionalidade. Impossível, o assunto está na ordem do dia, os tempos de decisão aproximam-se e os equívocos multiplicam-se. Segunda-feira (04/07/2005) foi a vez de um “especialista” entrevistado pelo JN, e assim apresentado, juntar confusão à confusão.
Paulo Costa argumenta que a “nacionalidade é um elemento da política de imigração, não o essencial”. Engana-se, e muito. A questão da nacionalidade NÃO é um elemento da política de imigração, mas uma condição desta. As políticas de imigração são condicionadas pelas concepções de nacionalidade não a incluem. Ou melhor não a deviam incluir. Esse tem sido o problema, criado depois de 1975.
Por isso, a nacionalidade, obviamente, não garante a integração. Mas é condição necessária (não suficiente) para a criação de uma cultura comum, ao contrário do que afirma Paulo Costa; e é, portanto, condição favorável à construção de uma identidade comum, como estudos empíricos feitos em Portugal comprovam. Difícil, no entanto, quando as narrativas nacionais são pouco inclusivas? Pois, mas para isso servem as reformulações dessas narrativas e a progressiva ancoragem da pertença nacional no que Habermas chamou “patriotismo constitucional”.
É preferível, em alternativa, manter como está a lei da nacionalidade e expandir os direitos dos estrangeiros? Sim e não. É óbvio que nas sociedades democráticas contemporâneas o estatuto de estrangeiro incorpora, ou deve incorporar, o essencial dos direitos de cidadania. Mas, e como já o escrevi por mais de uma vez, se o acesso aos direitos, e em particular aos direitos políticos, estiver desconectado da nacionalidade estará também desconectado dos deveres para com a colectividade nacional. Caso se alargasse o direito de voto nas legislativas aos estrangeiros, em substituição de uma política de nacionalidade inclusiva, o “fantasma do voto étnico” só poderia ser afastado, como o faz Paulo Costa, com muita ligeireza.
O argumento das dificuldades identitárias eventualmente produzidas em consequência da obtenção da nacionalidade originária pelos filhos dos imigrantes não merece, sequer, qualquer avaliação crítica, de tão absurdo que é. Fez-me lembrar as palavras sobre o especialista instantâneo em música: “Como todo o bom especialista instantâneo sabe, a melhor forma de fazer boa figura passa simplesmente por combinar um mínimo de conhecimentos com um máximo de palavras obscuras (…)”.(1)
Como absurdo é o argumento da “facilidade” (olha!) com que se pretenderia, com a actual revisão da lei, conceder nacionalidade, uma vez que “a nacionalidade é importante em termos de identidade”. Pois é, Paulo Costa tem que se decidir: a nacionalidade é irrelevante em termos identitários quando se trata de a não conceder aos imigrantes e seus filhos; mas passa a ser importante quando se trata de a reservar para os que já a têm!
Estamos conversados.
(1) Peter Gammond, O Especialista Instantâneo em Música, Lisboa, Gradiva, 1996, p. 7.