sábado, 24 de setembro de 2005

Empresas sem nome, marcas sem produto - resposta a um comentário

O comentário da Luísa ao meu post sobre o novo futuro do velho trabalho e a restruturação empresarial, que aqui reproduzo, ajuda-me a voltar ao assunto. Diz ela:

Estamos de facto a assistir a uma recomposição da Divisão Internacional do Trabalho que se traduz em novas dependências de uns países relativamente a outros e em que a diferencição se faz, em grande medida, pela natureza e conteúdo do trabalho ( e portanto por exigências diferentes em termos de qualificações e competências, remuneração,etc.).
Que as marcas são uma espécie de "novo factor produtivo", um capital intangível - como diriam os economistas - de importância crescente na construção social dos mercados é, neste quadro, um fenómeno assinalável. Mas não retiro daqui que o trabalho passa a ser prestado a empresas que não têm as responsabilidades típicas: porque deixarão de as ter? O que me parece evidente é que estes processos engendram uma mobilidade crescente das empresas sub-contractadas e uma insegurança também crescente no trabalho que a legislação laboral, tal como a conhecemos, não resolve.

Não tenho exactamente a mesma visão. Desde logo porque não se trata apenas de uma nova DIT, a exemplo daquela que os economistas detectaram nos anos sessenta com a especialização entre países segundo os seus níveis económicos. Nuns desenvolviam-se novos produtos, noutros eles eram produzidos quando deixavam de ser inovadores, sendo a localização industrial comandada, no primeiro caso, pela proximidade à capacidade de inovação e, no segundo, pela proximidade aos mercados. O fenómeno a que estamos a assistir é, se eu estiver a ver bem, o caminho para a cisão completa entre o desenvolvimento de um produto e o seu fabrico. A optimização do "supply chain management" conduz a que, no limite, dois produtos tecnologicamente iguais sejam totalmente diversos entre si, quando tomamos em consideração quem fabrica as suas componentes, ou os monta e onde. A consequência, do ponto de vista do trabalho, é a perda total de visibilidade. Toda a gente sabe da qualidade do computador Dell, mas ninguém pode saber nada das condições de trabalho de quem o produz, até porque quem faz o que eu encomendo hoje não é quem faz outro, exactamente igual, que eu encomende amanhã. O problema já não está na identificação da cadeia de subcontratação, mas na desmaterialização e quase impossibilidade de localizar a produção.
Não se pense, por outro lado, que é uma questão de exportação do trabalho menos qualificado. Os engenheiros indianos e as industrias de ponta dos países asiáticos emergentes desementem-no. Ponho a hipótese de que se trate de uma emigração do trabalho, que previne e dificulta a emigração dos trabalhadores e os inscreve nos seus locais de origem, dificultando a libertação de condições sociais e económicas que a emigração permitia aos bem sucedidos.
Quanto à questão das responsabilidades, remeto para a informação disponível sobre uma das estratégias sindicais mais presentes nos grupos económicos de nível mundial. Dezenas de grandes empresas assinaram com os seus orgãos consultivos declarações conjuntas que as impedem de utilizar trabalho que ...viole a declaração dos direitos fundamentais da OIT. Ora, este é apenas o patamar absolutamente mínimo que, em princípio, coloca os países que não o respeitam perante o risco de sanções internacionais. Porque lutam, então, tanto, os sindicatos por estes códigos de conduta aparentemente irrelevantes, que repetem um compromisso imperativo de todo os Estados?
De novo, a minha hipótese é a de que neste momento se desenha uma tendência para que todo o "trabalho produtivo" se concentre em determinadas zonas do globo, explorando as suas condições sociais e ampliando a circulação de mercadorias, bens e serviços, enquanto se limita a circulação de pessoas, à excepção das elites globalizadas.
Se eu tiver razão, a exemplo do que imaginava Zigmunt Bauman em The Liquid Modernity, este século assistirá a uma fixação ao solo das massas populares (cuja mobilidade esteve na origem das relações de trabalho da era moderna e era, segundo o velho Marx, uma das condições para a emergência da consciência de classe) e à circulação global das elites profissionais e do capital, em busca permanente dos locais mais lucrativos.