Empresas sem nome, marcas sem produto - novos comentários, novas respostas
No fundo, a minha hipótese divide-se em três proposições: a restruturação empresarial está a cindir os grandes grupos, não por àreas de negócio, mas por funções na cadeia de produção; este processo leva a que o trabalho tenha entrado numa tendência de invisibilização e dispersão oposta à concentração típica desde a revolução industrial; a mobilidade do investimento está tornar-se superior à das pessoas, substituindo a migração dos trabalhadores pela do trabalho.
Em relação à primeira, quer rjb quer o Acácio Lima recordaram o trabalho de Naomi Campbell, o qual não contrario, neste ponto, antes acompanho. Noutro post voltaremos, contudo, aos “malefícios” da globalização. Digo, por agora, apenas que não faço parte dos que acham que se deve destruí-la, mas dos que pensam que se deve geri-la, regulá-la, globalmente, claro. O que talvez, aos olhos do alp2 me desqualifique.
Quanto à segunda, a Luisa, no seu novo comentário diz: “resisto a aceitar que isto [aquilo de que falamos] se traduz numa desmaterialização da produção e da impossibilidade de localização”. Tem razão, quanto à desmaterialização, porque como também sublinha, o trabalho continua a ocorrer. Mas a minha questão é a da visibilidade dos processos de trabalho. Coloquemos a questão assim. O padrão da indústria futura que o século XX nos antecipava era o de uma enorme fábrica, de vida longa e o seu relativo imobilismo no espaço e no tempo obrigava a fixar e a atraír pessoas, fomentava a migração dos trabalhadores ( e a concentração urbana), a sua organização colectiva. O seu fecho teria que ser raro, dado que tem custos elevados, económicos e de imagem, para o investidor. Se as tendências que se desenham se concretizaram, continuará a ser assim?
A segregação geográfica de funções desvaloriza o potencial reivindicativo do trabalho. Alguém se preocupa em saber onde é fisicamente produzido o CD, o manual de instruções a a caixa do Office? Ou o computador em que trabalha? Os meus e os da Luisa podem ser iguais mas de origens totalmente distintas. Ou, se preferimos um exemplo doméstico, se as informações da PT, de repente, mudarem de Cabo Verde para São Tomé e Príncipe, é provável que isso afecte a reputação da PT em Portugal? Um conflito de trabalho, em qualquer desses casos, chega a ser notícia? Essa perda de poder, do lado mais fraco e de alguma dependência, do lado forte, terá algum tipo de consequências? É a este processo que chamo invisibilização do trabalho.
A terceira – a hipótese da migração do trabalho – abordei-a já, quando escrevia no JN. O Walter Rodrigues contrapôe a esta ruptura de tendência a ideia de que continuará o percurso de abertura e mobilidade. Recapitulemos a sua tese:
“Tenho para mim que o grande traço de continuidade da história da humanidade é o crescimento da capacidade de mobilidade e que a modernidade contemporânea intensificou essa capacidade com a massificação necessária do transporte aéreo e dos meios electrónicos de mobilidade. E tenho também para comigo que embora mantendo diferenciações sociais e criando novas formas de desigualdade a esse nível, a generalidade dos cidadãos de um mundo crescentemente cosmopolita serão cidadãos com crescente capacidade (e necessidade) de mobilidade.”
Concordo que a mobilidade tem sido crescente. Acho o nosso cosmopolitismo ainda insuficiente. Apenas admito que tenhamos entrado numa fase em que a tendência (e a meu ver com consequências negativas) mudou. Mudou politicamente, como se pode ver nas iniciativas legislativas que hoje se discutem no Reino Unido, que, sendo aceites, trazem novas discriminações dos estrangeiros, num dos países mais cosmopolitas do mundo. Mudou do ponto de vista dos transportes, porque o petróleo a preços controlados pode ser uma miragem e as alternativas ainda parecem distantes. Mas pode estar a mudar, também, do ponto de vista económico, pelos processos que se desenham e em que “os meios electrónicos de mobilidade” são meios de comunicação, fulcrais ao espírito cosmopolita, mas não de mobilidade fisica. Pelos meios electrónicos circula informação, investimento, capital, mas não pessoas. E a questão que coloco é a de saber se o diferencial de custos entre a circulação (virtual) de informação, de serviços e de mercadorias (com logística hiperoptimizada), por um lado e de pessoas, por outro, não potencia a retracção da mobilidade das pessoas.
Estou convencido que vale a pena investigar se a racionalidade subjacente ao “novo capitalismo” passa pela migração do trabalho em vez da dos trabalhadores, ou seja, precisamente pela introdução de novas barreiras ao cosmopolitismo das “massas populares” e às virtualidades que penso que, historicamente, as grandes migrações tiveram.
Ou seja, estaremos agora a entrar num período de arrefecimento da mobilidade, à escala planetária, dos trabalhadores e de aquecimento da mobilidade do trabalho? Pode parecer paradoxal, mas seria precipitado descartar a hipótese.