domingo, 25 de setembro de 2005

Migrações

Concordo com o Paulo no que se refere às hipóteses sobre o crescimento das migrações do trabalho e sobre a consequente invisibilização dos processos de trabalho. Tenho dúvidas sobre a hipótese da concomitante redução das migrações de trabalhadores, mesmo se compartilho a da maior mobilidade relativa de uma nova elite cosmopolita (duas afirmações compatíveis).
Em primeiro lugar, porque essa hipótese foi já colocada, no início dos anos 90, quando as deslocalizações do centro para a periferia começaram a tornar-se visíveis — e não foi confirmada. Descobriu-se, depois, que não só novas migrações tinham crescido ligadas directamente à deslocalização (nomeadamente a de profissionais qualificados do centro para a periferia, enquadrando administrativa e tecnicamente a mobilidade dos capitais), como as migrações tradicionais de trabalhadores desqualificados para os países centrais tinham agora novos destinos laborais em sectores territorializados por definição: a construção, os serviços urbanos de limpeza e de segurança, ou as actividades comerciais, de hotelaria e de restauração. Foi a descoberta das cidades globais, servidas e mantidas por imigrantes de todo o mundo.
Em segundo lugar, porque hoje 60% dos migrantes internacionais não se deslocam já no sentido Sul-Norte, mas entre países do Sul — sendo por isso menos afectados pelas barreiras à mobilidade em construção na Europa e nos EUA. Analisando essas novas migrações, conclui-se que têm uma participação crescente de urbanos escolarizados das classes médias do Sul e que os motivos porque emigram se multiplicam: económicos, mas também sociais, culturais ou políticos. Motivos que induzem a saída mesmo quando são procuras económicas que, no destino, viabilizam a migração. E assim passámos de cerca de 120 milhões de migrantes internacionais em 1990 para cerca de 175 milhões dez anos depois. De qualquer forma, as migrações internacionais continuam a ser, ainda hoje, a excepção à regra da sedentarização: o número de pessoas que vive fora do país em que nasceu não chega a 5% da população mundial, e metade destas são refugiados políticos.
Por isso, parece-me mais verosímil a hipótese de uma crescente mutação na estrutura do sistema das migrações internacionais, tanto no plano geográfico como no das actividades, do que a hipótese da sua redução. Mutação que, no entanto, poderá desconectar cada vez mais as migrações de trabalhadores do funcionamento do mercado de trabalho em vários sectores de actividade, e nomeadamente na indústria transformadora. Pelo menos nos países do Norte.


[Já agora, uma referência útil, actual e de leitura muito simples sobre as migrações internacionais (de pessoas): de Catherine Wihtol de Wenden, Atlas des Migrations dans le Monde, Paris, Autrement, 2005 (80 páginas).]