quarta-feira, 28 de setembro de 2005

Soma nula

Citação (do Jornal de Negócios de 14 de Setembro)
Ludgero Marques tomou ontem posse no oitavo mandato como presidente da Associação Empresarial de Portugal. Em declarações ao Jornal de Negócios, afirmou que “o Norte tem que reganhar aquilo que perdeu”, porque “o ‘o nervo económico’ é aqui. […] Portugal tem perdido muito do seu nervo económico, da indústria criativa e das exportações ao não encontrar soluções para utilizar este potencial único no país”, revelou. “Os lisboetas têm de ficar mais pobres para nós ficarmos mais ricos”, disse.

Comentário
Num livro já aqui citado, Carlo M. Cipolla distingue quatro personagens-tipo presentes no nosso quotidiano: o bandido, o tolo, o inteligente e o estúpido. Esta tipologia é construída com critérios muito simples. Em primeiro lugar, Cipolla distingue entre jogos de soma nula (nos quais o que um ganha é igual ao que outro perde), jogos de soma positiva (todos ganham, mesmo que uns ganhem mais do que outros) e de soma negativa (todos perdem, embora uns possam perder mais do que outros). O jogo de soma nula opõe o bandido ao tolo: o que o bandido ganha é o que o tolo perde. O jogo de soma positiva é conduzido pelo inteligente: ele ganha e os outros também (mesmo que, eventualmente, menos). No jogo de soma negativa reina o estúpido: ele consegue prejudicar-se e prejudicar os outros, ao mesmo tempo.
Todos conhecemos o estúpido em acção: por exemplo, aquele automobilista que, com o amarelo, avança para o meio do cruzamento sem ainda ter espaço para colocar o carro depois da via que irá cruzar. Resultado: um engarrafamento desnecessário em que todos perdem (a começar pelo estúpido). Também todos conhecemos bandidos e tolos: basta sermos roubados para passarmos para o lado dos tolos. E o ladrão para o lado dos bandidos, pois ganhou o que nós perdemos.
O jogo inteligente é mais raro, tanto hoje como na história. Foi preciso muita imaginação social, bem como um grande desenvolvimento do Estado, para construir sistemas de regras (e capacidade para penalizar a violação dessas regras) que dificultassem o jogo do bandido e do tolo e criassem condições para premiar a acção inteligente. O mercado é um desses sistemas. Aí, supõe-se, o enriquecimento resultaria de um jogo em que há mais no final do que no início, mesmo que esse valor acrescentado seja desigualmente distribuído (mas isso é outra história). No passado havia métodos generalizados de enriquecimento bem mais expeditos e prestigiados, embora de soma nula: por exemplo, saqueando o país do vizinho, ganhando os saqueadores (bandidos) o que os saqueados (tolos) perdiam.
Como o jogo do mercado, quando leal, é difícil, são permanentes as tentativas para o abandonar ou manipular. Para o abandonar, por exemplo, retomando o antigo método do uso da violência para extorquir o que já existe, sem nada acrescentar (à mafiosa). Para o manipular, procurando obter posições de monopólio ou de privilégio administrativo que permitam extorquir a terceiros mais do que o que se acrescenta. É a transformação do “capitalismo do lucro da acção empresarial” no “capitalismo das rendas de posição de privilégio”.
A legitimidade da acção empresarial resulta de, em princípio, implicar um jogo de soma positiva (inteligente). Ficamos a saber que Ludgero Marques, presidente reconduzido da AEP (organização sem regra de limitação de mandatos), entende as assimetrias regionais como um jogo de soma nula, isto é, um jogo entre bandidos e tolos.
Que Ludgero nos queira fazer passar por tolos diz muito sobre o empreendorismo da associação a que preside.