terça-feira, 27 de setembro de 2005

Desigualdades e privilégios: início de resposta a um comentário

Comentando o texto “Ricos mas desiguais” (20/09/2005), um leitor do Canhoto questionava-me sobre medidas de política que concretizassem a eliminação dos “privilégios dos privilegiados” e o combate pela redução da desigualdade. Começo, hoje, a tentar responder ao desafio, propondo que o transformemos em debate continuado.

Em primeiro lugar, hoje, em Portugal, o combate pela redução da desigualdade ganharia em ir para além da luta pela redistribuição. Se considerarmos que não foi inventada melhor forma social do que o mercado para organizar a actividade económica (e essa é, hoje, a minha opinião), começa por ser indispensável democratizar o mercado. E isso passa, urgentemente, pelo combate ao abuso de posição dominante que tende a reduzir as possibilidades de uma concorrência leal entre agentes económicos com poderes desiguais. Esse combate, hoje, em Portugal, estará condenado ao insucesso enquanto o Estado não se interpuser entre fortes e fracos, com iniciativa não só no plano da fiscalização como no da sanção.
Ir para além da redistribuição não significa, no entanto, esquecer este domínio. E aqui entram os privilégios de renda de situação dos que ocupam posições cimeiras nas empresas e organizações de maior porte. Quando tanto se fala em combate à evasão fiscal, que dizer de um inocente texto da secção de economia do Público (sábado, 24/09, página 35) intitulado “Ferramentas para atrair e fixar quadros”? Em caixa, são recenseados vários pagamentos em espécie, como carros e telemóveis, que reduzem substancialmente o rendimento colectável de quem os recebe, bem como as contribuições sociais de quem os paga. Ou seja, o Estado perde em dois tabuleiros. Ora, enquanto não tratarmos os pagamentos em espécie, no plano fiscal, como ganhos das empresas (à semelhança do que se faz com as despesas confidenciais), manter-se-á uma inaceitável situação de privilégio fiscal… dos privilegiados. Mesmo quando trabalham por conta de outrem.
Numa segunda fase, com mais clareza sobre os valores reais das remunerações, caberá aos accionistas (incluindo o Estado quando estiver nessa posição) questionar as administrações pela violação do direito ao lucro sempre que essas remunerações atinjam valores desproporcionalmente elevados (como o fizeram os accionistas alemães da Daimler quando confrontados com os valores das remunerações dos executivos da Chrysler, entretanto adquirida pela Daimler).

Em próximos textos, tratarei de outros dois domínios fundamentais destes combates pela igualdade: a educação e qualificação, por um lado, e a protecção social contra a pobreza, por outro.