segunda-feira, 12 de setembro de 2005

TGV

O debate público sobre o TGV tem sido um bom exemplo de como uma discussão importante pode ser transformada numa querela sem interesse: predominam os argumentos dos constrangimentos do curto prazo sobre os relativos às escolhas estratégicas, ou os critérios contabilísticos sobre os do desenvolvimento. Penso que o debate ganharia se recentrado nas escolhas sobre os modos de transporte colectivo, por um lado, e sobre os modos da nossa integração nas redes europeias de transporte, por outro.

1. A opção ferroviária
Em primeiro lugar, deverá começar por se reconhecer que, com a subalternização dos investimentos na ferrovia, Portugal tem agora um dilema que precisa de resposta rápida. Deixamos morrer a ferrovia de vez e enveredamos, decididamente, por um modelo americanizado (e latino-americanizado) de transporte colectivo baseado na rodovia e no avião? Ou optamos por uma solução mais europeia, privilegiando o desenvolvimento de um sistema ferroviário moderno? [Entre parêntesis: porque só nos parecemos com a América nos seus defeitos, distinguindo-nos desta radicalmente no que são as suas vantagens exemplares: como a capacidade de inovação ou o cosmopolitismo, para reter só dois exemplos?]
O modelo (latino) americano implica mais custos energéticos e ambientais, um risco acrescido de acidentes e uma mais acentuada segmentação dos meios de transporte em função dos recursos económicos do utilizador. O modelo europeu tem as vantagens simétricas, mas só será viável se for moderno. Ou seja, não é possível dissuadir a procura do transporte viário e aéreo se a ferrovia for desenvolvida sem recurso às mais modernas tecnologias que suportam um crescente conforto e velocidades elevadas. Neste contexto de concorrência, a velocidade importa, e de que maneira: não é um luxo, é um elemento determinante das vantagens comparativas dos diferentes modos de transporte.
Se a opção for investir na ferrovia, gastar mal o dinheiro é não aproveitar as necessidades de profunda renovação resultantes de anos de desinvestimento relativo neste modo de transporte para dar um grande salto tecnológico. Seria como começar agora a constituir o transporte aéreo em Portugal e fazê-lo, por critérios contabilísticos de curto prazo, comprando aviões a hélice! Gastar-se-ia mal o dinheiro porque este seria investido numa oferta que não teria procura.

2. A integração europeia
Como seria errado voltar a investir na ferrovia sem corrigir o seu pecado original: a existência de uma bitola ibérica, escolhida para isolar a península do resto da Europa. Ainda hoje pagamos caro os obstáculos à mobilidade assim criados. Dói, por isso, ver tanto dinheiro mal gasto quando, para poupar uma dezena de tostões ou por imprevidência injustificável, se renova a via-férrea sem aproveitar para ir preparando as condições para uma mais barata e rápida transição posterior para a bitola europeia. Ao contrário do que se faz em Espanha!
O que se passa em Espanha é também fundamental por duas outras razões, comezinhas. Em primeiro lugar, porque não é possível chegar à Europa além Pirenéus sem passar por Espanha. A integração do nosso plano de desenvolvimento da ferrovia com o plano espanhol será portanto decisiva para gastar bem o dinheiro a investir. A segunda, porque, já hoje, as vantagens concorrenciais das nossas cidades medem-se, antes de mais, no território ibérico. Se, como foi referido em Agosto num artigo de opinião do Público, Lisboa ficar a 9 horas de Madrid, contra 2 a 3 para as restantes cidades espanholas de maior dimensão, perderemos qualquer possibilidade de competir com essas cidades na atracção de investimento estrangeiro de maior porte. Ou então investimos loucamente no modelo americano do autocarro interurbano e do avião no preciso momento em que os preços do petróleo crescem sem que se saiba bem até que patamares: dinheiro mal gasto, portanto.

Em resumo, gastar bem o dinheiro é modernizar desde já e rapidamente a ferrovia, integrando-a com a rede espanhola e europeia além Pirenéus. O que, pelo menos nas ligações Porto-Lisboa-Madrid, passa pela adopção do TGV, com a concomitante redução do tráfego rodoviário e aéreo naqueles percursos.