Contrastes
1. Recomenda-se a leitura da coluna de Sarsfield Cabral no DN da última segunda-feira (17/10), dedicada ao tema do populismo, ainda a propósito das sequelas das autárquicas. Destaque-se, em particular, a crítica à deriva legislativa por alguns iniciada visando o impedimento das candidaturas de quem for arguido: “candidatar, ou não, pessoas com falta de idoneidade é muito mais uma questão de bons ou maus costumes políticos do que de leis”.
Nunca é demais realçar o que está presente nesta crítica: a ideia de tudo resolver por meios jurídicos incentiva a amoralidade, pois, ao substituir o autocontrolo moral pela sanção legal, transforma a vida social num litígio permanente, assim conduzindo a uma guerra de todos contra todos que, a prazo, nenhum estado conseguirá conter.
2. Como tenho defendido, a via alternativa de combate ao populismo exige a recusa de um discurso, sobre a política e os políticos, que meta tudo no mesmo saco. Quando se constrói uma percepção pública negativa da política e dos políticos, em geral, contribui-se, irresponsavelmente, para escancarar as portas à demagogia e ao populismo mais primários. Os discursos que promovem aquela percepção negativa constituirão pois, sempre, um alvo do Canhoto.
Nesse sentido, nada podia estar mais em contraste com a crónica de Sarsfield Cabral do que o texto de Henrique Rodrigues intitulado “A retórica da banalidade”, publicado no último número do Solidariedade (mensário da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, disponível on-line). A propósito das intervenções do Primeiro-Ministro José Sócrates, refere Henrique Rodrigues “a frequência com que [Sócrates] introduz nas frases o advérbio de modo “verdadeiramente”. Como se soubesse — e deve sabê-lo — que dos políticos que nos saíram nas sortes estamos mais à espera da mentira do que da verdade, e fosse necessário explicitar a verdade do que diz.”
Como exemplo de demagogia irresponsável seria difícil encontrar melhor.