sexta-feira, 28 de outubro de 2005

Fuga de cérebros e notícias sem cérebro (corrigido)

Foi notícia ontem e hoje, nos média nacionais, a sensacional descoberta de uma catastrófica fuga em massa de diplomados do ensino superior portugueses para o estrangeiro: os “fugitivos” seriam já, em 2000, cerca de 20% do total de diplomados. É uma notícia sensacional mas não corresponde à verdade.

1. A notícia baseia-se num relatório do Banco Mundial, ignorando no entanto o facto de nele se assinalar que o indicador usado para medir a tal “fuga de cérebros” tem algumas limitações: os números analisados no relatório não se referem aos diplomados do ensino superior em Portugal que emigrariam depois de concluídos os seus estudos, antes ao número de portugueses nascidos em Portugal mas residentes no estrangeiro que são diplomados independentemente do país em que obtiveram o diploma. Ou seja, incluem os filhos de emigrantes portugueses que viajaram com os pais e realizaram parte ou a totalidade dos seus estudos no estrangeiro. E cérebros já formados noutros países não são cérebros em fuga. Tendo em conta o facto de que uma das críticas à “emigração de cérebros” é o não retorno dos custos de formação dos diplomados, o tom catastrofista das notícias deve ser relativizado, e muito caso se tenha bem presente a acelerada retoma da emigração portuguesa desde a adesão à Europa. [Os números sobre Portugal merecem uma segunda reserva: porque os dados dos censos de 1991 e 2001 utilizados devem ter sido dados agregados e não microdados, a estrutura das qualificações dos portugueses e estrangeiros residentes foi reconstruída a partir do Inquérito Permanente ao Emprego. Ora, a compatibilização das duas fontes nem sempre é fácil.]
2. Deve também ser relativizada a pretensa excepcionalidade portuguesa no contexto europeu referida nas notícias. Como revela o relatório, o caso português é muito semelhante, nos números, ao caso inglês. Em ambos seria elevado tanto o número de diplomados emigrados como o número de diplomados imigrados (isto é, o número de estrangeiros residentes com formação superior), mesmo se os segundos eram menos que os primeiros. Eram, sublinho, pois desde 2000 que, em Portugal, com a imigração do Leste, se assistiu a uma requalificação da população imigrada ainda não considerada no relatório do Banco Mundial. Se descontarmos à “fuga de cérebros” os filhos de emigrantes portugueses já diplomados no exterior, e somarmos aos estrangeiros diplomados residentes em Portugal em 2000 os novos imigrantes do Leste com qualificações escolares superiores, é provável que o saldo de entradas e saídas de “cérebros” seja bem menos negativo do que o apresentado nas notícias.
3. Seria ainda útil evitar o tom nacionalista magoado das notícias em causa. No que se refere ao segmento dos cientistas, também focado nas notícias, é positiva e não negativa a emigração de portugueses qualificados para países com sistemas de I&D mais desenvolvidos que os nacionais (e inevitável, também). Mesmo que só uma minoria destes regresse, os efeitos qualitativos desse regresso compensarão, provavelmente, os efeitos quantitativos da fixação da maioria no exterior. E, mais importante, o fundamental não será tanto lutar pelo regresso massivo a Portugal dos diplomados emigrados, como no passado recente se tentou, mas antes acentuar a internacionalização do sistema “nacional” de I&D, favorecendo uma intensa circulação dos seus membros entre instituições nacionais e estrangeiras e criando capacidade para atrair alguns dos mais qualificados cientistas independentemente da sua nacionalidade. Como é fundamental garantir o aproveitamento dos recursos qualificados estrangeiros já residentes no país, combatendo a rigidez burocrática que impede o reconhecimento das qualificações obtidas na origem pelos imigrantes ou o fechamento corporativo que dificulta o mais que pode o acesso destes à actividade profissional quando ela é profissionalmente auto-regulada (como é o caso entre os médicos).