sábado, 1 de outubro de 2005

Qualificação: olhar para trás, para o lado e para a frente [3]

3. Olhar para a frente
Com ou sem contenção orçamental, com as regras, os custos e a configuração institucional actuais, os sistemas de educação e formação não parecem capazes de responder facilmente aos desafios de qualificação com que estamos confrontados: para além de pouco eficientes, seriam demasiado caros.
A escolha é, portanto, clara: ou mudamos o que há mudar, ou abdicamos de enfrentar o presente e o futuro.
Em época de contenção orçamental, é possível que os que olham sobretudo para trás, os militantes da redução da carga fiscal e alguns lóbis — quer corporativos, quer económicos —venham, com argumentos de estilo variado, defender que basta gerir bem os recursos existentes, reduzir ineficácias e privilégios injustificados para libertar os recursos necessários para que o tempo altere esta situação.
Não creio que baste.
Primeiro, porque dar tempo ao tempo não é alternativa: a demografia mostra que já temos mais idosos do que jovens e nada indica que, a curto prazo, deixe de ser assim. Esperar que o tempo faça o seu trabalho é — para além de desumano — lento de mais.
Segundo, porque, continuando a recorrer a reformas antecipadas para trocar pais pouco escolarizados por filhos com mais anos de escola é inaceitável do ponto de vista ético e impraticável dos ponto de vista demográfico e da sustentabilidade social e financeira da segurança social.
Terceiro, porque olhar para a frente obriga a enfrentar articuladamente os desafios (1) de escolarizar, (2) de qualificar para o trabalho e (3) de aumentar o acesso à educação ao longo da vida de uma parte muito significativa quer dos jovens, quer dos adultos que hoje trabalham ou procuram trabalhar em Portugal, abandonando de vez as ideias de que só vale a pena qualificar os jovens ou o desenvolvimento da qualificação é duravelmente independe dos resultados que os cidadãos e as empresas dela fazem.

Um desafio desta envergadura e desta escala — 1 milhão de pessoas — vai pôr à prova todo o sistema de educação e formação, mostrando em que medida este é capaz (1) de induzir a procura de qualificações escolares e profissionais pelos jovens, pelos adultos e pelas empresas e organizações, (2) de responder com soluções eficientes e de qualidade à procura existente e induzida e (3) de assegurar efeitos sociais relevantes a esta mudança.
Por isso, para além exigir mudanças na regulação dos mercados de trabalho, confrontando as retóricas habituais dum lado e doutro das relações laborais e revelando em que medida está cada uma das organizações dos parceiros sociais está interessada em contribuir activamente para a redução drástica do défice de qualificações existente, passando de declarações genéricas a práticas consequentes.
As unidades de medida dessa mudança são conhecidas e de dois tipos principais. (1) Quanto ao acesso: euros e horas de trabalho, do lado dos empregadores; horas de tempo livre, do lado dos trabalhadores. (2) Quanto à compatibilização entre o emprego e o desenvolvimento da qualificação: modulação do tempo de trabalho, renovação dos sistemas de classificação profissional das convenções colectivas de trabalho e classificação dos trabalhadores.
Veremos o que o tempo nos ensina.