sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Visto do lado de lá (corrigido)

É do senso comum: os países da UE não conseguem controlar a imigração, pelo que aumenta todos os dias o número de “ilegais”. Mas como muitas ideias feitas, esta tem mais de errado do que de certo.
Hoje é notícia, na imprensa portuguesa, como na espanhola ou na francesa, a tentativa de atravessamento a salto da fronteira espanhola-marroquina, em Ceuta e Melilla, por milhares de potenciais migrantes africanos. Os resultados? A grande maioria não conseguiu passar e terão sido mortos, pelo menos, cinco pessoas e feridas gravemente cerca de 100. E isto porque os meios mobilizados para deter a vaga de candidatos à migração incluem vedações, valas e tecnologias electrónicas de vigilância, bem como forças policiais, do exército, da marinha e da força aérea de dois países: Espanha e Marrocos.
Visto do lado de lá, do lado dos que arriscam tudo para passar a fronteira externa da Europa, o controlo da imigração é apertado e rigoroso, apenas conseguindo ter sucesso no salto uma pequena proporção dos que o tentam. E se uns o tentam mesmo correndo o risco de serem impedidos a tiro de o fazerem, a maioria dos que quereriam migrar nem o tentam por saberem dos riscos envolvidos.
É bom ter presente esta outra visão do problema, pois ela constitui o único referencial legítimo, porque factual, de avaliação do grau de sucesso das políticas europeias de controlo da imigração. E se for este, e não uma qualquer meta arbitrária de imigração zero, o referencial de avaliação, então faz pouco sentido salientar o “relativo ‘fracasso’ das políticas europeias de prevenção da imigração ilegal”. Avaliada em função da crescente procura migratória de terceiros, o controlo das entradas na UE é apertado e eficiente, e não laxista e ineficiente.
Como é bom, também, ter presente os custos humanos dessa política. Eu sei que é impossível acolher na Europa todos os que a procuram. Mas sei também que o controlo que desejo da fronteira, quando eficaz, condena os que assim foram impedidos de migrar a uma vida de miséria na origem e, eventualmente, ao risco da morte: na tentativa do salto ou, quando a fuga tem origem na guerra ou na perseguição política, na derrota do projecto migratório. Como sei que estas palavras soam a moralismo fora de moda. Mas a consciência moral desta nossa escolha é a única barreira de que dispomos para deter a indiferença cínica que domina o discurso realista sobre os problemas da imigração na Europa, indiferença que, para além do mais, impede a resolução da situação dos que, apesar de todos os controlos, conseguiram entrar a salto e fixar-se no destino, mas que continuam relegados para o limbo da informalidade tolerada.
Por isso não gosto do termo de imigrante “ilegal”. Tende a transformar gente comum em fora-da-lei com demasiada facilidade. E, como se não bastasse, a considerar como herdável por menores esse estatuto de fora-da-lei.