Ultimato dos patrões
“Ultimato europeu a Sócrates, titulava o Expresso do último fim-de-semana. Segundo aquele semanário, um tal Andréa Canino, presidente de um dito Conselho de Cooperação Económica (CCE), teria exigido ao Governo português um “Plano Nacional de Acção” destinado a enfrentar a “crise nacional”. Conhece o personagem e a organização citada? Eu também não. Parece-lhe um organismo comunitário? A mim também parecia. Até ter lido o último parágrafo da notícia:
O CCE funciona em Paris, foi criado em 2002 como um «think tank» junto dos países e governantes do Arco Latino e é patrocinado por Portugal, Espanha, Itália e França, assim como por 120 grupos económicos. No conselho de administração encontram-se Ricardo Salgado (BES), Miguel Horta e Costa (Portugal Telecom) e Vasco de Mello (Brisa). O relatório foi trabalhado pelo CCE desde o início do ano, no seguimento de reuniões com Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, que deu luz verde ao aprofundamento do trabalho.
Depois de assim identificada a autoria do relatório, é mais fácil perceber que entre as cinco medidas propostas se contem, nomeadamente, o despedimento de 150 mil funcionários públicos, a flexibilização dos contratos de trabalho e a privatização das infra-estruturas energéticas, portuárias e aeroportuárias (talvez para depois as nacionalizar de novo, como aconteceu no Reino Unido com os caminhos-de-ferro). A direita derrotada nas urnas tenta pois entrar pela porta das traseiras, disfarçada de eurocrata.
Em contraste com a cartilha neoliberal que orienta as propostas acima citadas, surge ainda, pelos mesmos autores, a ideia sovietizada de planeamento da investigação e da inovação. Para o CCE, o investimento em I&D deveria ser concentrado num pequeno número de projectos em cinco áreas (tecnologias de informação, química, biotecnologia, ciências da vida e energias alternativas), superiormente seleccionadas pelos líderes do Plano (em função, presume-se, dos seus interesses, os quais, como acontecia ao tempo dos monarcas absolutos, seriam os verdadeiros interesses do país).
Como o demonstram as experiências do passado, é improvável o sucesso de uma estratégia de investimento em I&D desenhada com base no princípio da selectividade sectorial. A investigação feita no país crescerá apenas na medida em que se internacionalizar, em que se inserir em redes transnacionais de maior porte do que o espaço científico e económico nacional, inserção que será feita nas áreas em que houver investigação de excelência em Portugal. Seleccionar e apoiar a excelência que se desenvolve é pois a boa orientação das políticas de I&D em Portugal. Como se faz agora. E se, no fim, emergirem áreas de especialização, isso será o resultado de um processo aberto e descentralizado, não o ponto de partida voluntarista de um caminho administrado.
Mas quando chega à ciência, a direita neoliberal só descobre defeitos na concorrência. E resolve planear o que, por definição, é mais imprevisível: a inovação.