domingo, 13 de novembro de 2005

Angola teve azar

1. Em declarações ao Expresso, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Portugal, João Gomes Cravinho, terá comparado Savimbi a Hitler. A polémica declaração foi pouco feliz, por falta de rigor, suscitando por isso inúmeros equívocos. Para sermos rigorosos, Savimbi foi o Pol Pot de Angola. Com o líder dos Khmer Vermelhos, Savimbi partilhava o ódio à vida urbana e à mestiçagem cultural, bem como muitos dos métodos violentos que marcaram a breve mas trágica passagem do segundo pelo governo do Cambodja. A vantagem do rigor na comparação é evitar a armadilha da simetria: José Eduardo dos Santos nada tem a ver com a figura de Pol Pot, nem o regime crioulo do MPLA com o regime dos Khmer Vermelhos. Talvez Noriega seja uma referência mais correcta para se perceber a natureza do regime de Luanda.

2. Angola teve azar. A coincidência entre colonialismo e ditadura dificultou a referenciação da luta anticolonial a objectivos de democratização. Enquanto na África do Sul a luta contra o apartheid era também a luta pela generalização de um regime democrático reservado à minoria branca, nas ex-colónias portuguesas o combate pela independência tendia a ser orientado pelo modelo do comunismo real, de onde lhe vinham grande parte dos apoios para a guerra anticolonial. Após a independência de Angola, essa orientação seria reforçada por permitir legitimar com facilidade a africanização do poder económico (para usar uma expressão mobutiana).

3. Angola teve azar porque o carácter recente do seu povoamento colonial intensivo (apesar da retórica em contrário tanto colonial como anticolonial), somado à falta de liberdade política também entre os colonos, ter incapacitado estes de terem qualquer voz activa na descolonização. E essa voz teria sido útil para evitar a monopolização do processo pelos partidos-exércitos em que se tinham convertido os movimentos de libertação. Para minorar as possibilidades dos partidos da guerra.

4. Angola teve azar com as datas. O colapso do regime ditatorial e colonial português em pleno auge da guerra-fria fez das ex-colónias portuguesas um terreno privilegiado de combate entre as superpotências. Especialmente Angola, devido aos importantes recursos petrolíferos do país, que utilizados fora do contexto da guerra poderiam facilitar a constituição de uma potência regional autónoma, rival da vizinha África do Sul.

5. Angola teve ainda azar por ser rica em termos mineiros. Essa riqueza, que ao contrário da de origem agrícola ou industrial é viável em regime de enclave quase total, permitiu financiar uma longa e mortífera guerra de décadas mesmo com a economia do país completamente desorganizada. Guerra que começou por ser travada por procuração e acabou por opor os interesses próprios de líderes seleccionados pela sua eficácia em liderarem a barbárie da guerra e não os combates pelo desenvolvimento. E voltamos ao princípio deste texto.

6. Depois de tanto azar, é tempo de Angola ter sorte. Com urgência. São os meus votos de feliz aniversário.