A erosão da liberdade
“A erosão da liberdade: quatro palavras sintetizam quatro anos.” Assim começa o artigo de Timothy Garton Ash no Guardian de 17 de Novembro, que me tinha passado despercebido e me chegou às mãos pela edição semanal do jornal.
Ash critica a reacção das pátrias fundadoras das liberdades civis — a Inglaterra, a França e os EUA — às novas ameaças que as democracias enfrentam à entrada do séc. XXI.
O traço comum que une o Patriot Act aprovado nos EUA na sequência do 11 de Setembro, as iniciativas legislativas “anti-terroristas” de Blair (que, como recorda Ash pôem a defesa da liberdade nas mãos dos Conservadores e dos lordes não eleitos) e o estado de emergência por três meses em França, é a reacção às ameaças com reduções das liberdades civis.
Embora me pareça que a natureza da reacção francesa é, pelo menos por agora, diferente da inglesa e americana, Ash tem razão em duas perguntas que coloca. Não será esta reacção das nações democráticas um sinal errado, que, parecendo uma reacção forte, é uma capitulação à linguagem e aos métodos dos inimigos? Não terão estas medidas o efeito oposto do pretendido?
Aqui, no Canhoto, no próprio dia das bombas de Londres, levantámos a primeira interrogação. De facto, não creio que, quando chegar o julgamento da história, Abu Grahib, Guantánamo, as detenções arbitrárias de suspeitos de terrorismo, as deportações de jovens amotinados, constem entre os factos de que as democracias se podem orgulhar.
Mas a segunda interrogação é essencial. Ao combater-se o inimigo com versões ainda que ligeirissimas dos seus métodos está-se a reforçar as ideias de que ele parte e as suas bases de recrutamento. Ao estigmatizar os jovens dos bairros, a pretexto de que são estrangeiros de passaporte, apesar de sempre terem nascido e vivido sempre em França, está-se a dar mais razão aos que dizem que a sua integração não passa de uma farsa.
Convém não esquecer que os fundamentalistas que combatemos não são produto de educações islâmicas em países islâmicos, mas da rejeição dos países ocidentais em que foram, na sua maioria, educados. E que essa rejeição assenta na ideia falsa de que as instituições democráticas e o respeito universal pelos direitos humanos são uma farsa ocidental, que legitima as atrocidades mais diversas. O pior que podiamos fazer era aproximar mais, por pouco que seja, a realidade do que o inimigo sobre ela proclama.
Este início de séc. XXI está a ser marcado por uma equação perigosa para a democracia — menos liberdade e menos segurança. Esta estrada nunca nos conduziu a bom porto, pelo que é necessário mudar de caminho quanto antes.