segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Reveladores sociais: a propósito dos comentários

1. As chamadas “aulas de substituição” ocupam um espaço no debate público sobre a educação que me parece desproporcionado em relação à sua importância real. Porquê?
Em minha opinião porque ocupam a função de “reveladores” dos problemas essenciais das escolas. Não os criam, não os resolvem por si só, mas dão-lhes grande evidência.

2. Está a ser esquecido que as comunidades educativas que rejeitam a ideia das aulas de substituição estão acomodadas à ideia de que os professores apenas têm como dever fundamental ocupar-se dos seus alunos em funções curriculares, dentro das salas de aula e com os “seus” alunos, leccionando as suas matérias, fazendo tudo o resto por acréscimo, se puderem ou quiserem.
Esta ideia feita tem um reverso. A de que os “bons” professores se empenham para que não seja assim, em projectos localizados e a de que a massificação da resposta destrói a qualidade das pequenas iniciativas.
O Nelson Matias aborda a questão dos efeitos perversos da generalização sobre as ilhas de motivação. Gostava de saber melhor porque é que as aulas de substituição destroem projectos. Cheira-me a correlação espúria. Teremos que tentar ver a a variável que falta na relação.
Mas a questão de fundo, para mim, é a de que a responsabilidade das escolas pelos alunos não pode estar dependente de ilhas de voluntarismo, mas deve ser prevista em regras gerais que constranjam a que assim seja, aplicadas em escolas que se organizam como entenderem para garantirem essa missão, mas não têm o direito a ser “desorganizadas”, como lhes chama o Nelson, ou a achar que essa desorganização é um dado adquirido e imutável.

3. Tem-se insistido em que se está a atacar o profissionalismo docente. Não vejo as coisas assim.
Acho que o governo confundiu a necessidade de cortar despesas com um "ataque aos privilégios". Os professores do ensino público foram atingidos por esse ataque.
Do meu ponto de vista teria sido mais acertado que o governo pusesse medidas como a da suspensão das progressões na carreira de todos os funcionários públicos no seu sítio — contenção orçamental.
Mas não acho que haja um ataque aos docentes nas medidas específicas da educação. As progressões automáticas na carreira não têm paralelo na OCDE. A formação contínua (co-gerida por sindicatos e instituições de ensino e formação) não funciona. A revolta contra a regulação do serviço não docente inclui, em parte, o protesto dos que objectivamente não querem estar tanto tempo na escola porque têm mais que fazer nas suas vidas profissionais extra-educativas, na acumulação de funções, nas explicações, na sua vida familiar ou no que seja.
Não vejo onde possa residir o ataque aos docentes em querer levar a sério as suas carreiras ou querer que estejam mais tempo nas escolas.

4. Leio, também, que a preocupação do ME tem incidido sobre a quantidade e não sobre a qualidade da prestação docente. A Cristina Gomes da Silva e o Nelson Matias parecem-me laborar nesse erro. Se a tensão qualidade-quantidade existe inegavelmente, também é verdade que tem que ser gerida e não se pode opôr nenhum dos lados ao outro, sob pena de perder nos dois.
Não se pode tapar o sol com a peneira — a generalidade dos professores tem que trabalhar mais horas nas suas escolas e tem que assumir que tem que alargar o seu leque de funções. Não se pode aceitar que as operações que conduzem a esse resultado pôem, por existirem, em causa a auto-estima dos professores. Só pôem se os seus colegas que dirigem as escolas gerirem mal as suas responsabilidades.

5. Não compreendo porque têm as aulas de substituição, que, nas escolas “desorganizadas”, “provocar o caos, destruindo pequenos projectos, degradando recursos, e fundamentalmente, degradando a auto-imagem do professor, a relação educativa, a representação dos alunos do que é aprender, do que é a aula”, como diz o Nelson Matias. Onde for assim, há má prática profissional, que deve ser combatida como todas as más práticas profissionais.
Sejamos claros, a aula de substituição torna-se ridícula quando o professor que a anima a faz ridícula. Porque o fará?
A aula de substituição, aliás, não é a única actividade prevista e toda a gente sabe que não é a aula normal. Há países, muitos, em que existem há décadas. Que atavismo nacional congénito as torna ridículas apenas quando passam a fronteira?
Interroguemo-nos sobre as razões da ridicularização das aulas de substituição. Há a dimensão do problema (são demasiadas), a falta de recursos (revela-se que as escolas têm que ser apetrechadas), a resistência passiva (que alimenta e se alimenta do descontentamento). Há muita coisa que deve ser melhorada, concerteza. Mas, sejamos claros, quem diz que as aulas de substituição pôem em causa a imagem do professor para a seguir pedir que elas sejam alvo de pagamento extraordinário (não falo, evidentemente, do Nelson) está a contradizer-se ou a mostrar o jogo.

6. É natural que muitos pais se contentem com a garantia de que os seus filhos estão à guarda de um professor. Mas também é verdade que daí se não pode concluir que os professores não podem ocupar com vantagem esse espaço para actividades educativas . As interrogações do Contradito fazem sentido. E o Pedro Sá talvez não tenha presente que estamos a falar dos alunos do ensino básico.

7. As aulas de substituição, repito, deviam ser uma não notícia, um facto da vida quotidiana das escolas. Mas não o são. Por isso faz sentido que o governo não desista de empunhar a bandeira da responsabilidade global da escola pelos alunos, de que são um insturmento e se tornaram um símbolo.

8. O Nelson Matias surpreende-se com a performance de Paulo Sucena no dia da greve. Eu não. Até acredito na bondade das suas intenções. Aliás, talvez a chave para a radicalização do conflito não resida nele mas na luta pela sua sucessão.