segunda-feira, 21 de novembro de 2005

A falácia da segurança

Analisando o crescimento das migrações internacionais, Pedro Jordão, na Visão (23/11/05), destaca a relação entre estas e os problemas da segurança internacional. Citando:
A segurança colectiva é indissociável desta mobilidade transnacional. O fluxo de emigrantes mexicanos para os EUA encobre imensos traficantes de droga e imigrantes do Leste europeu estão infiltrados pelas máfias russas. Apesar de a islamofobia ser irracional, não pode ignorar-se que os núcleos muçulmanos são a base logística para uma importante parte dos ataques do terrorismo internacional. [p. 82]

O argumento é conhecido: os fluxos internacionais de pessoas são também fluxos de crime e de terrorismo. Mas há uma falácia no argumento, pois as migrações NÃO são os principais fluxos internacionais de pessoas. O turismo, e não as migrações, constitui o essencial da mobilidade internacional de pessoas no nosso tempo.
Apenas um exemplo: no ano 2000, visitaram a Europa quase 390 milhões de turistas, segundo dados da Organização Mundial de Turismo (WTO). Entre 1990 e 2000, a população estrangeira residente na Europa aumentou em 6,5 milhões de indivíduos, ou seja, menos de 1 milhão por ano, segundo dados da Organização Internacional das Migrações (OIM).
Poderá, no entanto, argumentar-se que a fixação dos migrantes no destino tem vantagens que o simples turismo não tem. Sendo parcialmente verdade, mas só parcialmente (nos tráficos os fluxos são mais importantes do que as bases), há um segundo viés argumentativo que importa assinalar. No 11 de Setembro, em Nova Iorque, os terroristas eram quadros qualificados, não migrantes desqualificados incógnitos porque diluídos na massa que percorreria os actuais fluxos migratórios. Ora o argumento da segurança tem sobretudo servido para justificar a substituição da imigração desqualificada de grande volume por uma imigração mais selectiva de activos qualificados. A qual tem, por isso crescido ao ponto de ser hoje maioritária no conjunto da imigração para a Nova Zelândia (68%), Austrália (60%) e Canadá (55%); ou de representar já cerca de um terço (32%) da imigração total no Reino Unido (dados da OIM).
E hoje, a sobrevivência, para já não falar do desenvolvimento, dos sistemas técnicos e de I&D na Europa e nos EUA depende da continuidade destes fluxos, bem como do complexo sistema de compensações entre fluxos de cérebros intra países desenvolvidos (por exemplo, do Reino Unido para os EUA) e de países em desenvolvimento para países desenvolvidos (por exemplo, do Paquistão para o Reino Unido) (ver estudo do Banco Mundial sobre “fuga de cérebros”).
Em resumo, se todos os fluxos de pessoas envolvem problemas de segurança, nem as migrações são o principal fluxo internacional de pessoas no mundo contemporâneo, nem as migrações de massa são os principais albergues do terrorismo internacional.