quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Rosa Parks na fortaleza Europa

1. A ler, no Público de terça-feira (01/11/05), o artigo de Teresa de Sousa intitulado “Se a Europa for uma fortaleza não terá futuro” (link para assinantes).
Teresa de Sousa tem razão: se o proteccionismo não é via na economia, não o é também na imigração. Reduzir a quase zero o número de entradas legais para imigrantes tem-se sobretudo traduzido no crescimento descontrolado da imigração irregular e da desregulação económica. Tem ainda, pela visibilidade deste resultado perverso, alimentado um discurso racista e xenófobo sobre a “invasão” dos imigrantes.
Infelizmente, o proteccionismo manifesta-se não “apenas” na regulação dos fluxos migratórios como também no desenho das políticas de integração dos imigrantes. O argumento é simples: dificulta-se a vida aos imigrantes para assim dissuadir a sua fixação e a vinda de outros. Exemplo acabado desta orientação é a actual lei da nacionalidade, bem como a timidez da sua revisão proposta pelo Governo. No final, e independentemente das boas ou más intenções do legislador, ganha corpo a representação do imigrante como outro e a construção de uma reacção xenófoba e racista à sua presença em Portugal. À sua presença e à presença dos seus descendentes.
A fronteira externa prolonga-se, assim, na fronteira interna, os muros de Ceuta e Melilla nos muros da xenofobia e da segregação.

2. Nesta última semana multiplicaram-se as (merecidas) homenagens a Rosa Parks, falecida no passado dia 24 de Outubro. A história da mulher cujo acto de desobediência a uma estúpida lei racista simboliza a viragem na luta pelos direitos dos norte-americanos negros, foi já amplamente divulgada, nos média clássicos como na blogosfera. Mas talvez valha a pena sublinhar algo mais nessa história, algo útil para reflectirmos sobre os caminhos da nossa política de imigração.
O acto de revolta de Rosa Parks, ao recusar levantar-se no autocarro para dar lugar a um branco, não constituiu um acto político, premeditado, no sentido estrito do termo. Não foi, também, um acto público de desafio. Ou uma explosão emocional de quem, sitiado, se confronta com uma escolha de vida ou de morte. Não foi, ainda, uma revolta dirigida contra os símbolos maiores do segregacionismo sulista. Foi, simplesmente, a reacção individual de quem, cansada, desistiu de se submeter a normas e práticas quotidianas, mesquinhas, de discriminação racista. Assim começam, com frequência, muitas revoltas depois generalizadas. Basta uma faísca.
Teimando numa política de imigração que resulta em imigração irregular, insistindo numa política de integração que prolonga no interior do país as fronteiras entre a Europa e os outros, tolerando políticas autárquicas que convivem demasiado bem com a segregação e a guetização raciais, estamos a criar condições para que qualquer faísca possa iniciar um incêndio de grandes proporções. De repente, sem aviso prévio, sem uma história passada de revolta organizada e publicamente expressa.
E então espantar-nos-emos…